Quem é Edmilson Rodrigues, segundo Lúcio Flávio Pinto.

"Vitória de Edmilson:
vitória da esquerda?

A primeira pesquisa do Ibope para a eleição de 2000, contratada pelo grupo Liberal, como sempre, foi realizada quando mal começava a propaganda eleitoral gratuita. Pelos seus resultados, Edmilson Rodrigues, que disputava a reeleição, venceria no 1º turno, favorecendo-se do seu relativamente baixo índice de rejeição, semelhante ao dos principais concorrentes.
O eleitorado já não reagia tão negativamente a uma administração do PT, como antes. Nos quatro anos do primeiro mandato de Edmilson, uma massiva propaganda oficial sustentou que o partido era “bom de governo”. A imprensa, a princípio hostil, foi “domada” pelos anúncios e parcerias da administração municipal. Obras de franco apelo popular foram executadas para gerar votos.
Ao contrário dessa previsão, porém, a eleição foi para o 2º turno. Edmilson venceu Duciomar Costa por menos de 10 mil votos de diferença. Com o mesmo discurso de 1996, o prefeito reeleito classificou de histórica e monumental a sua vitória, insensível à diferença mínima – de 1,5% – sobre o adversário, a menor no 2º turno de todas as capitais brasileiras entre os prefeitos que conseguiram se reeleger.
A vitória do candidato do PT em 1996 foi muito mais efeito do desgaste das velhas lideranças políticas no Estado, de Jader Barbalho e Hélio Gueiros, rejeitadas pela maioria do eleitorado, do que dos méritos do arquiteto petista. O povo realmente queria avançar na renovação, arriscando delegar poder às caras novas da política. É o que explicava o PT quase ter dobrado (de 4 para 7) a sua bancada na Câmara Municipal, conferindo-lhe maior expressão na casa, de ser o partido com mais vereadores (um quarto do total).
A diferença mínima mostrava o desgaste do esquema montado na PMB para favorecer o prefeito. Uma delas foi cercear a informação pública, mantendo quase como clandestina a circulação do Diário Oficial do Município, e tornando “personas non gratas” os críticos.
Os cofres públicos foram usados para engordar os já bem nutridos órgãos da grande imprensa local, que efetivamente boicotaram a administração municipal quando seus desejos não foram atendidos. Edmilson Rodrigues foi o primeiro prefeito a conceder verba pública (100 mil reais) para aumentar o lucro de um grupo de Comunicação (o Liberal) na venda ao público de fitas de vídeo descaradamente comerciais.
Quitou com o mesmo grupo a dívida formada com intenção ruinosa e deixada como restos a pagar pelo antecessor, Hélio Gueiros, que seu primeiro secretário de finanças glosou, considerando-a exorbitante e interditando-a, até ser defenestrado do cargo. E criou em seu primeiro quatriênio uma verba publicitária tão despropositada quanto a de Gueiros. Conseguiu assim transformar a sua retórica em realidade, só que apenas virtual, propagandística.
Um tabloide semiclandestino que circulou em Belém na véspera do 1º turno da eleição de 2000 penetrou nessa armadura publicitária. Embora fosse nítido o dedo do PSDB na publicação e seu propósito eleitoral inquestionável, algumas das críticas que fez à administração de Edmilson eram procedentes.
Contrapôs à propaganda oficial sobre a bolsa-escola, o orçamento participativo e o banco do povo, outros aspectos que o PT procurava de todos os modos esconder, como a chegada a Belém de uma série de empresas “alienígenas”, sempre presentes nas administrações petistas, como a Emparsanco e a Bauruense, ativas na coleta de lixo.
A publicação cobrou explicações sobre a duplicação dos valores pagos pela PMB por esse serviço e determinadas situações obscuras. A mais estranha delas envolvia uma empresa individual que se registrou na junta comercial, em fevereiro de 1996, para explorar uma lanchonete e, menos de um ano depois, passou a fazer terraplenagem, aluguel de veículos e máquinas pesadas, limpeza urbana, higienização e conservação em geral.
No ano seguinte a empresa estendeu sua competência a obras e serviços de engenharia, treinamento de recursos humanos, cadastramento imobiliário e topografia. Sem nunca ter saído da casa da sua proprietária para uma sede comercial, a empresa recebeu da prefeitura 3,5 milhões de reais em dois anos. Da forma como surgiu, sumiu, sem rastro
Outro ponto sensível era a atuação da prefeitura petista no transporte urbano, um dos que mais sofríveis da capital. Promessas e compromissos sustentados antes da vitória em 1996 não foram cumpridos. O cartel dos ônibus não só permaneceu intocado como recebeu novos favorecimentos, na tarifa reajustada acima da inflação ou na proteção contra a concorrência (os “fresquinhos” deslocando as vans). Na campanha de 2000, Edmilson Rodrigues apareceu ao lado da filha do presidente do sindicato dos donos de ônibus, no único outdoor do prefeito patrocinando um candidato à Câmara de Vereadores.
O povo começava a ver por essas brechas. Mesmo reeleito, o prefeito teve sua permanência posta em questão. A pesquisa do Ibope demonstrou que havia diferença entre as opções por ele na manifestação espontânea e a estimulada. Apenas um terço dos eleitores indecisos (que somavam 35% do total dos pesquisados pelo instituto) optaram por Edmilson quando lhes foi apresentada uma relação de nomes para escolha. Percebia-se uma tendência mais forte de enfraquecimento da candidatura do então prefeito à medida que o debate eleitoral se intensificava e aprofundava.
É o que também se pode perceber na campanha eleitoral deste ano. Os índices favoráveis a Edmilson repetiam os prognósticos de 12 anos atrás: ele podia vencer já no 1º turno. Hoje, seus adversários garantem que haverá nova eleição e no 2º turno Edmilson será batido por uma coligação de oponentes, incluindo o governador Simão Jatene, do PSDB, o prefeito Duciomar Costa, do PTB, e o senador Jader Barbalho, do PMDB. Pode ser uma certeza tão diáfana quanto a crença de Edmilson numa vitória imediata. Mas tem sólidos antecedentes.
Qualquer que seja o resultado, em nenhuma hipótese se poderá considerar a sério que se trata de uma vitória da esquerda contra a direita. Essa bipartição ideológica deixou de existir no Brasil depois que o PT chegou ao poder. O que está em jogo é um populismo com retórica esquerdista contra um populismo de discurso conservador. Conforme a eficácia dos seus ardis, um dos lados sairá vencedor. Mas o traço dominante será a continuidade, a ausência de mudanças profundas.
No entanto, por seu populismo mais presente junto ao povo, e respaldado por um discurso que, embora oco, é radical e voluntarioso, Edmilson pretende para si o título de homem de esquerda contra os tubarões e barões da direita. Usou na televisão em abono desse título o depoimento do padre Ricardo Rezende, personagem histórico das lutas sociais no campo na região sul do Pará.
Ricardo é uma pessoa séria e devotada à causa pela qual optou. Foi ameaçado e perseguido até ver-se obrigado a sair do Araguaia paraense, local de sua longa peregrinação. Certamente considera o candidato do PSOL um igual, um político que trabalha pelo povo, um arauto da liberdade, da justiça e dos direitos humanos. Ainda que se admita a condição de esquerdista de Edmilson, ela precisa vir acompanhada de autoritário, totalitário, antidemocrático. Amigo de Ricardo de longa data, posso dar-lhe meu testemunho nesse sentido.
Quando Edmilson disputou a reeleição, a coligação que o apoiava entrou com uma ação no TRE requerendo o direito de responder, neste jornal, ao que eu tinha escrito na segunda das edições extras nas quais denunciava a manipulação que a prefeitura do PT fazia da imprensa sensacionalista, através do Jornal Popular, de Silas Assis, para me agredir e intimidar,
A ação era desnecessária: eu publicaria sem qualquer problema a carta, como sempre fiz com aquelas que chegam a este jornal. Um pouco antes publicara as respostas da Coordenadoria de Comunicação Social da PMB a um longo questionário que lhe enviei, sem modificações.
Por que, então, ir buscar na justiça eleitoral um direito que eu acatava voluntariamente? Não parecia uma atitude de bom senso, nem atestado de boa intenção. Mas tinha sua lógica na mentalidade de Edmilson: ele não queria que a coligação liderada pelo PT fosse contraditada. Pela via judicial, me impediria de retrucar ao que fosse dito na nota de resposta. Ia ser monólogo.
Em matéria de comunicação social e relação com a imprensa, a administração Edmilson Rodrigues em quase nada diferiu da do seu antecessor e de outros gestores públicos, antes e depois dele. Todos selecionam para quem e o que responder. Premiam os que repassam press-releases e punem os que questionam a informação oficial.
A única diferença era que a administração de Edmilson se considerava portadora da verdade e instrumento do progresso, enquanto classificava as anteriores como reacionárias, um produto das velhas elites. O que era verdade na crítica. Mas não na autoavaliação. No episódio que me envolveu, foi criado um ardil para golpear não a mim, mas à liberdade de informação e de expressão. Ela não é conjugada pela esquerda totalitária. É esta a que Edmilson Brito Rodrigues representa. Em substância, igual à direita que ataca."

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