Dois dias após o golpe, a esquerda ainda não produziu uma análise sequer sobre o que aconteceu. Uma análise de conjuntura, como se diz. Como chegamos até aqui? O que devemos fazer? A esquerda parece ter descoberto o congresso ontem, tamanha a indignação demonstrada. Santa ingenuidade! Que saudade do Brizola!
Alguns pontos importantes a considerar:
1.Sim, temos um congresso de baixa qualidade, conservador e fisiológico.
2.Sim, o congresso, mesmo com essas características, representa parte da sociedade. Pode ser minoria, mas soube se fazer representar. Isso vale para Bolsonaro e Tiririca.
3.Por isso mesmo é falsa a premissa de que Cunha controla metade dos congressistas. As ações dos deputados e senadores expressam, antes de tudo, sua consciência de classe, porque a maioria tem origem na elite.
4.Os membros do judiciário e do Ministério Público também vieram da elite. São conservadores e corporativistas antes de serem qualquer outra coisa. Ainda que muitos deles sérios e professadamente garantistas, não serão eles a conter o golpe.
5.A lava jato, ao investigar e julgar somente os aliados do governo parecia querer estrangular a esquerda pelo bolso, deixando claro aos empresários os perigos de financiarem as campanhas políticas da esquerda a quem os conservadores da justiça, do MP e até mesmo da PF, consideram os mais corruptos.
6.Essa tática fez água quando o STF decidiu que não era mais possível o financiamento empresarial de campanha.
7.Aqui a lava jato, com todo o material acumulado em anos de investigação, sobre partidos, políticos, empresas públicas e privadas, decidiu dar um passo adiante e avocou para si mesma o papel de acabar com a corrupção instalada no atual governo.
8.Não, o Judiciário, o MP e a PF, não foram comprados nem cooptados pela direita. Suas ações expressam, antes de tudo, uma consciência de classe, por isso até mais sólida e impermeável que a do legislativo.
9.Emblemáticas nesse sentido as nomeações de Lula e Dilma para o STF, MP e PF. Poderiam ter feito melhor? Sem dúvida. Poderiam ter feito muito melhor? Tenho dúvida.
10.Sim, a imprensa quer derrubar qualquer governo que seja minimamente sério. E não, a reação da imprensa internacional não fará a menor diferença, como não fez em 64.
11.Todos os atores apresentados até aqui ainda padecem de preconceito contra a pessoa do Lula e contra a pessoa da Dilma. Ele por ter nascido pobre e ela por ter nascido mulher, o que só agrega um componente de irracionalidade aos interesses de classe.
12.Não, a política, a justiça e a imprensa não se pautam pela lógica. São a expressão da consciência de classe da burguesia e como tal se comportam.
13.Assim, não teremos impeachment de governadores ou do vice presidente por pedaladas fiscais.
14.As doações para as campanhas políticas da direita não serão criminalizadas.
15.Todos os maiores absurdos jurídico-políticos serão naturalizados pela imprensa e somente serão percebidos como tais nos livros de história.
16.Somente os atores políticos de esquerda sentirão o consolo nos livros de história. O povo será mais uma vez massacrado.
17.É hora dos atores políticos da esquerda perceberem que em nível institucional, a batalha foi perdida quando da eleição do Cunha como presidente da câmara dos deputados.
18.O povo, a quem esse congresso não representa, nem nunca representou, não participa da política institucional e tem muita dificuldade de compreender o golpe em curso e as suas consequências nefastas. Exemplo disso é o espanto quando perceberam ontem que a Dilma ainda é a Presidente em exercício.
19.Povo fazendo festa na rua não impressiona nem pressiona nossa elite. Se pressionasse, todo Carnaval teríamos uma revolução.
20.A única virada possível virá das ruas. Mas não de manifestações de alegria por termos finalmente reencontrado algo pelo que lutarmos juntos.
21.A virada, se vier, virá dá resistência pacífica mas firme e decidida do povo, não reconhecendo nos golpistas legitimidade para conduzir a nação e se comportando de modo a inviabilizar qualquer governo que não seja o de Dilma Roussef.
22.Para isso, precisamos de estratégia, coesão e principalmente, compreensão da realidade como ela se apresenta.
23.Continuar apostando na institucionalidade depois de todas as derrotas acumuladas ao longo dos últimos anos é ingenuidade; ou loucura.

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