JPorfiro

Jose porfiro · @JPorfiro

5th Mar 2013 from Twitlonger

O MOVIMENTO DAS ESTRUTURAS
por Luiz Gonzaga Belluzzo

Dentre os emergentes, cresceu mais e exportou ainda melhor quem conseguiu administrar uma combinação favorável entre câmbio real competitivo e juros baixos

Valor Econômico - 05/03/2013

Na era da globalização, a generalização e a intensificação da concorrência são protagonizadas pela grande empresa transnacional, que opera em múltiplos setores e nos mais variados mercados. As estratégias de localização da corporação transnacional moderna foram acompanhadas de significativas mutações morfológicas: constituição de empresas-rede, com concentração das funções de decisão e de inovação e terceirização das operações comerciais, industriais e de serviços em geral.

As mudanças nas formas de concorrência promoveram a ""contestação"" das estruturas oligopolistas ""estabilizadas"" que regularam a concorrência entre os anos 1950 e 1980, na era do "fordismo". Entre as décadas dos 40 e dos 70 do século passado, o padrão de concorrência estava fundado na estabilidade das estruturas de mercado oligopolizadas e caracterizado pela produção padronizada, tecnologia codificada, escalas rígidas, aversão à cooperação.

Os oligopólios eram "concentrados", no caso de produtos homogêneos, como siderurgia e outros insumos básicos ou diferenciados, no caso de bens duráveis de consumo. Essas estruturas oligopolistas estavam "defendidas" por fortes barreiras tecnológicas, financeiras e comerciais que dificultavam a entrada de novos concorrentes.

Não se trata de "escolher vencedores", mas de criar condições para que os vencedores apareçam

A esse modelo de concorrência correspondia uma estrutura organizacional burocrática, rigidamente hierárquica, fruto da separação entre propriedade e controle, fenômeno que começa a ocorrer nas três últimas décadas do século XIX. O administrador profissional, com formação científica, é o principal protagonista do processo de gestão ancorado na burocracia. A administração por objetivos surge como uma forma adequada para conferir aos administradores a liberdade requerida para a tomada de decisões. De outra parte, a descrição minuciosa de funções permitia especificar os limites impostos à discricionariedade das decisões.

Nas camadas inferiores da pirâmide burocrática, a definição da carreira - incluída a escala salarial - era guiada por critérios meritocráticos. A ascensão aos cargos superiores desempenhava papel de mecanismo de controle, disciplina e, ao mesmo tempo, de incentivo aos funcionários dos escritórios e aos trabalhadores do chão de fábrica.

As transformações ocorridas nas últimas décadas deram origem a fenômenos correlacionados e aparentemente contraditórios: 1) uma nova etapa de "centralização" da propriedade e do controle dos blocos de capital, mediante a escalada dos negócios de fusões e aquisições alentados pela forte capitalização das bolsas de valores nos anos 80, 90 e 2000, a despeito de episódios de "ajustamento" de preços"; 2) a "terceirização" das funções não essenciais à operação do core business, o que aprofundou a divisão social do trabalho e propicia a especialização e os ganhos de produtividade.

A grande empresa que se lança às incertezas da concorrência global necessita cada vez mais do apoio de condições institucionais e legais que a habilitem para a disputa com os rivais em seu próprio mercado e em outras regiões. Elas dependem do apoio e da influência política de seus Estados Nacionais para penetrar em terceiros mercados (acordos de garantia de investimentos, patentes, etc.), não podem prescindir do financiamento público para suas exportações nos setores mais dinâmicos, não devem ser oneradas com encargos tributários excessivos e correm o risco de serem deslocadas pela concorrência sem o benefício dos sistemas nacionais de educação e de ciência e tecnologia.

O novo paradigma empresarial acentua sobremaneira a importância dessas vantagens. Entre elas devemos destacar: a) processos cumulativos de aprendizado (learning by doing na produção flexível, no desenvolvimento de produtos); b) economias de escala dinâmicas (ganhos de volume associados ao tempo e ao aprendizado); c) estruturação de redes eletrônicas de intercâmbio de dados que maximizam a eficiência ao longo das cadeias de agregação de valor (economia de capital de giro - sobretudo minimização de estoques, de custos de transporte e armazenagem); d) novas economias de aglomeração (centros de compras e de assistência técnica e formação de polos de conhecimentos técnicos e gerenciais); e) economias derivada da cooperação tecnológica e do co-desenvolvimento de produtos e processos.

Esta concepção de políticas de competitividade coloca no centro das preocupações a indução das sinergias baseadas no conhecimento e na capacidade de resposta à informação. O novo papel das políticas estruturais deve estar concentrado na indução da cooperação, na coordenação dos atores Não se trata de "escolher vencedores", mas de criar condições para que os vencedores apareçam.

As transformações financeiras e organizacionais recentes acompanharam as mudanças na estratégia de localização espacial das empresas dominantes. Particularmente significativas são as reorientações na direção do investimento direto estrangeiro e suas consequências sobre a divisão internacional do trabalho.

Em artigo recente sugeri que os benefícios da abertura da economia ao investimento estrangeiro - tais como absorção de tecnologia, adensamento de cadeias industriais, crescimento das exportações - dependeram fundamentalmente das políticas nacionais.

Dentre os emergentes, cresceu mais e exportou ainda melhor quem conseguiu administrar uma combinação favorável entre câmbio real competitivo e juros baixos, acompanhada da formação de redes domésticas entre as montadoras e os fornecedores de peças, componentes, equipamentos e sistemas de logística.

Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp e escreve mensalmente às terças-feiras. Em 2001, foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no Biographical Dictionary of Dissenting Economists.


###########################
###########################

EXISTE VIDA FORA DA SELIC
por Antonio Delfim Netto

É preciso recomendar humildade aos nossos sacerdotes adoradores da religião do "tripé", que supõem que não existe vida fora da manipulação da Selic

Valor Econômico - 05/03/2013

As recentes manifestações do Federal Open Market Committee (Fomc), do Fed americano, e do Monetary Political Committee (MPC), do Bank of England (BE), dão uma ideia clara das precárias condições em que se encontra o que se supunha ser a "ciência monetária". Ao tentar indicar o caminho para ultrapassar a gravíssima crise em que o mundo vive desde a quebra do Lehman Brothers, eles mostram que estamos em território econômico absolutamente desconhecido.

Sua exploração deve ser feita aperfeiçoando os instrumentos construídos nos últimos 250 anos, com a coragem e a honestidade que faltaram à profissão quando ela desenvolveu "teorias" que justificavam, "a posteriori", as patifarias que estavam sendo construídas no alegre incesto entre o poder político incumbente e os sistemas financeiros dos países.

A prova da proposição é simples: os poupadores que entregaram seus recursos a administradores ficaram pobres e desempregados. Os administradores ficaram trilionários e não precisam de emprego! Tudo graças à teoria "científica" que os mercados deixados a si mesmos eram "perfeitos, moralmente administrados e seguramente autorregulados".

É preciso recomendar humildade aos adoradores do "tripé"

A profissão precisa de uma grande pajelança para livrar-se da cegueira, não apenas dos que ainda agora insistem em aceitar tal "teoria", como outros, que, com o mesmo nível de ingenuidade, acreditam que o poder incumbente deixado a si mesmo é naturalmente benevolente, onisciente, e sujeito ao imperativo categórico da absoluta impessoalidade e honestidade...

Na última reunião, o Fomc decidiu "manter o intervalo do "federal funds" (a taxa básica americana) entre 0 a 1/4% e antecipar que este nível excepcionalmente baixo da taxa básica será apropriado enquanto a taxa de desemprego permanecer acima de 6,5%, a taxa de inflação esperada nos próximos um ou dois anos não seja 1/2% superior à qual estamos comprometidos como objetivo de longo prazo (2%) e a expectativa de inflação continuar bem ancorada".

Lembremos que o Fed se propôs, há dois meses, a executar uma política de "quantitative easing" (QE3) indefinidamente, enquanto um dos elementos do par (6,5% para o desemprego ou a taxa de inflação ultrapasse 2,5%) não for atingido. Pois bem, agora tudo parece mudado, como revela a discussão na última ata do Fomc, onde lemos: "Muitos participantes (alguns são não votantes) enfatizaram que o comitê deve estar preparado para variar a velocidade da compra dos ativos (a operação QE3), seja em resposta à mudança das perspectivas econômicas, seja pela avaliação da eficácia e custos que ela envolve. Outro insistiu que as compras devem ser incrementais de reunião a reunião, em resposta às novas informações sobre a economia. Outros, ainda, argumentaram que as avaliações de eficácia e custos podem levar o comitê a reduzir o QE3, mesmo antes que ocorra uma melhoria no mercado de trabalho. Outros lembraram que o custo potencial de suspender ou reduzir a compra de ativos pode ser muito alto, e que ela deve continuar até que uma mudança substancial no mercado de trabalho tenha ocorrido".

Fica evidente que a decisão do Fomc foi apenas uma solução de compromisso, sem apoio factual ou forte convicção teórica. Honestamente, é pouco provável que, com o conhecimento dessa ata, o "mercado" saiba o que o Fed quer e que coordene as "expectativas" dos agentes na direção desejada. O "mercado" precisa de instruções claras e explícitas: o que Fed quer é menor taxa de desemprego, maior crescimento e um pouco mais de inflação! Então, porque não dizer isso claramente e deixar o "mercado" apostar nesse resultado?

O mesmo sentimento de confusão e incerteza deriva da ata do MPC, do Bank of England, de fevereiro. O governador do BE, Mervyn King, e mais dois membros do MPC sugeriram aumentar o "quantitative easing" inglês, mesmo diante do fato de que a taxa de inflação excede largamente a "meta" oficial, e as expectativas inflacionárias dos próximos dois anos excedem a meta de 2%. Foram vencidos. Os seis votos vencedores no MPC recusaram o aumento da taxa de juros, mesmo diante do preocupante aumento da taxa de inflação.

Uma explicação plausível para o comportamento do MPC é que o próprio Bank of England espera a posse do seu futuro presidente, Mark Carney (ex-presidente do Bank of Canada), que tem manifestado a intenção de experimentar a variante da política monetária que tem por objeto o PIB nominal.

Não passou despercebido para os analistas mais cuidadosos que a proposta de King e seus companheiros implicava, de fato, aceitar que um aumento do "quantitative easing" produziria um efeito mais forte no nível de atividade que no nível de inflação, uma hipótese que nega o monetarismo.

Na proposta, eles afirmaram que o aumento do QE "poderia ajudar no processo de rebalancear a economia e evitar a destruição da capacidade produtiva e o aumento do desemprego". Isso acendeu a luz vermelha dos mais céticos. Para esses, a expressão "rebalancear a economia" é apenas a forma elegante e diplomática de dizer que o QE deve trabalhar na direção de desvalorizar a libra e aumentar a exportação. Esse objetivo já fora explicitado por King no seu discurso em Belfast, no dia 22 de janeiro.

Diante de tanta confusão "científica", é preciso recomendar humildade aos nossos sacerdotes adoradores da religião do "tripé", que supõem que não existe vida fora da manipulação da taxa Selic.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

Reply · Report Post