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Jose porfiro · @JPorfiro

19th Feb 2013 from Twitlonger

TAXA DE CÂMBIO E DOENÇA HOLANDESA [[+ Delfim: câmbio]]
por Luiz Carlos Bresser-Pereira

Nosso desequilíbrio macroeconômico fundamental é a sobreapreciação cambial, que desindustrializa gradualmente o país

Valor Econômico - 19/02/2013

O desequilíbrio macroeconômico fundamental que o Brasil enfrenta desde o início dos anos 1990 é o da sobreapreciação cambial que desestimula os investimentos e desindustrializa gradualmente o país. Não os desestimula de forma definitiva na indústria porque no Brasil a doença holandesa não é grave. Hoje a taxa de câmbio de equilíbrio corrente, aquela que equilibra intertemporalmente a conta corrente do país, deve estar próxima de R$ 2,20 por dólar, e a taxa de câmbio de equilíbrio industrial - necessária para que empresas de bens comercializáveis internacionalmente que usam tecnologia no estado da arte mundial sejam competitivas, e para que o mercado interno deixe de ser capturado por importações - deve estar próxima de R$ 2,80 por dólar. A doença holandesa brasileira é, portanto, moderada, de apenas R$ 0,60 por dólar; é uma sobreapreciação estrutural que seria resolvida por uma depreciação de aproximadamente 20%.

Tenho afirmado que essa depreciação pode e deve ser realizada por meio de um imposto de exportação sobre as commodities que dão origem à doença holandesa, correspondente à sobreapreciação por ela causada. Um imposto sobre essas commodities, de 20% de seu valor em cruzeiros, ou de R$ 0,60 por dólar exportado, resolveria o problema. Esse imposto deverá ser variável, para refletir mudanças importantes no preço internacional, e deverá ser diferente de uma commodity para outra, dependendo do quanto "rendas ricardianas" a beneficiem. Adotado o imposto, ele deslocará a curva de oferta da respectiva commodity para a esquerda em relação à taxa de câmbio (não em relação a seu preço), de forma que dado o preço e a demanda internacional, os seus produtores só continuarão a produzir a mesma quantidade se a taxa de câmbio se depreciar no mesmo valor do imposto. Como estou pressupondo um mercado razoavelmente livre, essa depreciação deverá ocorrer e o produtor nada perderá.

Mas, quando afirmo que um imposto de exportação neutralizará a taxa de câmbio, as pessoas, inclusive os melhores economistas, têm dificuldade de entender e aceitar o que estou afirmando, porque não veem qual a relação entre esse imposto e a oferta e a procura de moeda estrangeira, que, supõem eles, determina a taxa de câmbio.

A sobreapreciação cambial desestimula os investimentos e desindustrializa gradualmente o país

Eu não tinha uma resposta clara para essa questão. Cheguei a ela recentemente, e a compartilho com os leitores do Valor. Na verdade, na análise da determinação da taxa de câmbio, devemos distinguir seu valor de seu preço de mercado, da mesma forma que ocorre com as mercadorias e serviços. O valor de uma mercadoria é igual ao seu custo mais uma margem de lucro razoável que incentive os empresários a continuar investindo. O preço da mercadoria flutua em torno desse valor em função das variações da sua oferta e procura. A mesma coisa acontece com a taxa de câmbio: seu valor é determinado pelo custo mais a margem de lucro razoável das empresas eficientes existentes em cada economia nacional. Em uma economia sem doença holandesa há apenas um valor, porque o equilíbrio corrente e o industrial são iguais.

Já em uma economia com doença holandesa temos dois valores: o valor da taxa de câmbio para as empresas produtoras de commodities corresponde à taxa de câmbio de equilíbrio corrente, e o valor relativo à produção dos demais bens comercializáveis corresponde à taxa de câmbio de equilíbrio industrial. Não estando neutralizada a doença holandesa, o valor "dominante" é o determinado pelo custo mais baixo; é, portanto, o mais apreciado, e, por isso, dada a oferta e a procura de moeda, inclusive os fluxos líquidos de capitais, a taxa de câmbio de mercado flutuará em torno da taxa de câmbio de equilíbrio corrente, não da de equilíbrio industrial.

Neste quadro, o imposto sobre exportação age sobre o valor da taxa de câmbio, ou seja, sobre a taxa de câmbio de equilíbrio corrente, aumentando-o para o nível da taxa de câmbio de equilíbrio industrial. A partir daí, a política de taxa de câmbio deverá procurar reduzir as suas flutuações ou a sua volatilidade por meio das políticas cambiais conhecidas: a compra e venda de reservas e os controles de capitais.

Não obstante os exportadores de commodities tendam a se opor ao imposto, creio ter deixado claro que, afinal, eles o recebem de volta por meio da depreciação cambial. Quem paga o imposto são os consumidores e investidores que, no curto prazo, veem os preços aumentar. Mas esse custo é transitório, e, em pouco tempo todos se beneficiarão com o aumento dos investimentos e a aceleração do crescimento que a neutralização da doença holandesa proporcionará.

Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor emérito da FGV. Foi ministro da Fazenda (1987) e ministro da administração federal (1995-98) do Brasil. Publicou em 1968 seu primeiro livro. No site www.bresserpereira.org.brestá disponível boa parte de sua obra acadêmica.

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O ÂMBIO QUE NOS CONVÉM
por Antonio Delfim Netto

O Brasil precisa de uma taxa de câmbio relativamente desvalorizada, pouco volátil e imune ao excesso de ativismo que perturba as expectativas dos agentes

Valor Econômico - 19/02/2013

Criou-se um injustificado pessimismo sobre a política cambial. Talvez valha a pena tentar introduzir alguma ordem na discussão.

Começando do começo: o Produto Interno Bruto mede o valor adicionado numa unidade de tempo da produção de bens e serviços finais, de acordo com as definições da contabilidade nacional. Nas economias abertas, a demanda nacional total possui cinco componentes: o consumo, o investimento, os gastos do governo e as exportações, deduzida das importações, também nos termos da contabilidade nacional.

Cada um desses componentes é "determinado" pelo comportamento de algumas variáveis:

O câmbio livremente flutuante é só exercício de livro-texto

1) o consumo privado (C) é determinado pelo PIB disponível, isto é, deduzido dos impostos pagos e das transferências do governo para o setor privado;

2) o investimento (I) é fugidio. É influenciado positivamente pelo nível da renda e pelo nível do uso da capacidade instalada e, negativamente, pela taxa de juros real. Depende fundamentalmente das "expectativas" do investidor. As decisões de investir são frequentemente tomadas pelo "espírito animal" dos empresários, mas elas não se sustentam, se a sua taxa de retorno real não for superior à taxa de juros real;

3) o gasto do governo (G) é discricionário, mas é limitado pelas condições de sustentabilidade fiscal no longo prazo, o que significa déficits nominais relativamente pequenos e dívida pública manejável com relação ao nível de renda global;

4) a exportação (X) é influenciada positivamente pelo nível de renda do resto do mundo e pela taxa de câmbio real (preço relativo dos bens importados em termos dos bens nacionais); e

5) a importação (M) depende positivamente do nível de produção do país, e negativamente da taxa de câmbio real. A diferença entre a exportação e a importação é chamada de exportação líquida ou saldo em conta corrente (NX).

A taxa de câmbio real tem influência na composição dos dispêndios de consumo (entre bens transacionáveis nacionais e estrangeiros) e dos dispêndios de investimento (compra de equipamento nacional ou importado). Não há, entretanto, evidência empírica de que ela influa no nível do consumo.

O mesmo ocorre, aliás, com os investimentos: a taxa de câmbio real determina a escolha mais econômica para as empresas na comparação entre bens e serviços nacionais e estrangeiros, mas tem importância negligível na decisão do nível do investimento global.

Obviamente, o equilíbrio do mercado exige que o nível da produção interna (oferta) seja igual à demanda total interna e externa, o que depende do próprio nível de produção, das decisões discricionárias de tributação líquida de transferências (T) dos gastos do governo (G) e de duas variáveis, que são endogenamente determinadas quando se introduz o mercado financeiro: a taxa real de câmbio e a taxa de juros real.

Duas observações são necessárias. A primeira é que as decisões discricionárias - o nível de investimentos, que depende da taxa de juro real, e a exportação líquida, isto é, o saldo em conta corrente, que depende da taxa de câmbio real - estão ligadas por uma identidade da contabilidade nacional: investimento = poupança privada + poupança do governo - exportação líquida.

Um saldo positivo na conta corrente mostra que se exporta poupança; um saldo negativo, que se está importando poupança. Como o investimento depende da taxa de juro real, e o saldo em conta corrente da taxa de câmbio real, a identidade cria uma relação entre elas.

A identidade é apenas consequência da coerência imposta pela contabilidade nacional. Não tem nada a ver com qualquer relação de causalidade. Ela sempre se realiza pela manobra das variáveis endógenas: as taxas de câmbio e de juro reais.

Ela não autoriza, portanto, a afirmação "que um saldo negativo em conta corrente produzido pela valorização do câmbio real aumenta, necessariamente, o nível de investimento", porque é contingente ao comportamento da poupança privada nacional (renda menos consumo privado) e ao comportamento discricionário das contas públicas (tributação líquida menos gastos do governo).

A segunda observação é que existe ampla sustentação empírica sugerindo que em situações normais de pressão e temperatura, isto é, quando se verifica a condição chamada de Marshall-Lerner entre as elasticidades da exportação e importação com relação à taxa de câmbio real, sua desvalorização tende a reduzir, depois de algum tempo, o déficit em conta corrente (a famosa "curva J", claramente visível em alguns momentos no Brasil).

Uma desvalorização cambial tende a influir tanto na poupança como no investimento privado, pelo aumento da produção causado pela expansão das exportações e a redução das importações. O aumento do PIB pode, por sua vez, aumentar a poupança privada e exercer um papel importante na poupança do governo, se o aumento da receita for acompanhado por um controle da despesa pública.

Isso sugere que, provavelmente, o ajuste para satisfazer a identidade da contabilidade nacional em resposta à redução do saldo em conta corrente (produzido pela desvalorização da taxa de câmbio real) vai fazer-se por um aumento do investimento, motivado pelo ajuste da taxa de juro real.

Não tenhamos ilusões: o regime de câmbio livremente flutuante é apenas exercício de livro-texto, como mostraram na semana passada Draghi, François Hollande e Shinzo Abe! O Brasil precisa de uma taxa de câmbio relativamente desvalorizada, pouco volátil e imune ao excesso de ativismo que perturba as expectativas dos agentes. Ela não é tudo, mas é um coadjuvante essencial da atual política econômica que estimula o desenvolvimento.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

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