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Jose porfiro · @JPorfiro

5th Feb 2013 from Twitlonger

MOBILIDADE DO CAPITAL E PROGRESSO TÉCNICO
por Luiz Gonzaga Belluzzo

Não há repouso no capitalismo. Depois da crise de 2008, os países que perderam posição na disputa competitiva da manufatura acenam com uma nova rodada de inovações

Valor Econômico - 05/02/2013


Há quase três décadas a China executa políticas nacionais de industrialização ajustadas ao movimento de expansão da economia "global". As lideranças chinesas perceberam que a constituição da "nova" economia mundial passava pelo movimento da grande empresa transnacional em busca de vantagens competitivas, com implicações para a mudança de rota dos fluxos do comércio. Os chineses ajustaram sua estratégia nacional de industrialização acelerada às novas realidades da concorrência global.

A experiência chinesa combina o máximo de competição - a utilização do mercado como instrumento de desenvolvimento - e o máximo de controle. Entenderam perfeitamente que as políticas liberais recomendadas pelo Consenso de Washington não deveriam ser "copiadas" pelos países emergentes. Também compreenderam que a "proposta" americana para a economia global incluía oportunidades para o seu projeto nacional de desenvolvimento. Assim controlaram as instituições centrais da economia competitiva moderna: o sistema de crédito e a política de comércio exterior, aí incluída a administração da taxa de câmbio. Os bancos públicos foram utilizados para dirigir e facilitar o investimento produtivo e em infraestrutura.

A rápida industrialização da China e dos países do Sudeste Asiático deslocou uma fração importante da demanda global para os produtores de matéria primas e alimentos. Como é de conhecimento geral, a China ainda sustenta um saldo positivo muito elevado com os Estados Unidos. Mas seu déficit é crescente com o resto da Ásia e com os demais parceiros comerciais. O bloco industrializado da Ásia, articulado em torno da China, funcionou e ainda funciona como uma engrenagem de transmissão entre a demanda gerada nos países centrais e a oferta das economias "exportadoras de recursos naturais".

Os países que perderam posição na disputa competitiva da manufatura acenam com mais inovações

O leitor bem informado sabe que o chamado "modelo asiático" tem uma relação simbiótica com as transformações financeiras e organizacionais que deram origem às novas formas de concorrência entre as empresas dominantes da tríade desenvolvida, Estados Unidos, Europa e Japão.

As andanças da nova concorrência responderam, sim, às politicas liberalizantes dos anos 80. E, em sua resposta, o movimento da grande empresa realizou o projeto de reconfiguração do ambiente internacional. A metástase do sistema empresarial da tríade desenvolvida - particularmente dos Estados Unidos e do Japão - determinaram uma impressionante mutação nos fluxos de comércio. Não se trata apenas de reafirmar a importância crescente do comércio intra-firmas, mas de destacar o papel decisivo do "global sourcing", fenômeno que está presente, sobretudo, nas estratégias de deslocalização e de investimento que, desde a década dos 90, beneficiaram as economias asiáticas, a China em particular.

A nova concorrência engendrou simultaneamente: 1) a centralização do controle, mediante as ondas de fusões e aquisições observadas desde os anos 80; e 2) a nova distribuição espacial da produção, ou seja, a internacionalização das cadeias de geração de valor. Centralização do controle e descentralização da produção: esse movimento de dupla face afetou a natureza e a direção do investimento direto em nova capacidade, reconfigurou a divisão do trabalho entre produtores de peças e componentes e os "montadores" de bens finais e, como já foi dito, alterou as participações dos países nos fluxos de comércio. O propósito da competição entre os grandes blocos de capital é o de assegurar simultaneamente a diversificação espacial adequada da base produtiva da grande empresa e o "livre" acesso a mercados.

Mas as vantagens da China e de seus parceiros asiáticos não estão asseguradas. Não há repouso no capitalismo. Depois da crise de 2008 e de suas consequências, os países que perderam posição na disputa competitiva da manufatura - sobretudo os Estados Unidos - acenam com uma nova rodada de inovações, aquelas que seriam classificadas de "poupadoras de mão de obra" pelos sábios que ainda utilizam funções de produção.

O economista chefe da General Eletric, Marco Annunziata e Kenneth Rogoff preconizam a iminência de um intenso movimento de automação baseado na utilização de redes de "máquinas inteligentes". Nanotecnologia, neurociência, biotecnologia, novas formas de energia e novos materiais formam o bloco de inovações com enorme potencial de revolucionar outra vez as bases técnicas do capitalismo. Todos os métodos que nascem dessa base técnica não podem senão confirmar sua razão interna: são métodos de produção destinados a aumentar a produtividade social do trabalho em escala crescente. Sua aplicação continuada torna o trabalho imediato cada vez mais redundante. A autonomização da estrutura técnica significa que a aplicação da ciência torna-se o critério dominante no desenvolvimento da produção.

O jogo da grande empresa é jogado no tabuleiro em que a mobilidade do capital impõe conjuntamente a liberalização do comércio, o controle da difusão do progresso técnico (leis de patentes etc..) e o enfraquecimento da capacidade de negociação dos trabalhadores. Assim, as "novas" formas de concorrência escondem, sob o diáfano véu da liberdade, o aumento brutal da centralização do capital, a concentração do poder sobre os mercados, a enorme capacidade de ocupar e abandonar territórios e de alterar as condições de vida das populações.

Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp e escreve mensalmente às terças-feiras. Em 2001, foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no Biographical Dictionary of Dissenting Economists.

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