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Jose porfiro · @JPorfiro

14th Jan 2013 from Twitlonger

Conteúdo eficiente
por David Kupfer

Políticas de conteúdo local são uma iniciativa centenária, generalizadamente praticadas em grande número de países, para não dizer todos que almejaram avançar na trilha do desenvolvimento industrial

Valor Econômico - 14/01/2013

Políticas industriais baseadas em desempenho podem ser formuladas visando diversas contrapartidas como, por exemplo, empregos, exportações ou P&D. Dentre essas, a exigência de requisitos mínimos de conteúdo local é, provavelmente, a menos compreendida e, talvez por isso, a mais controversa.

Panaceia para uns, veneno para outros, é difícil encontrar quem enxergue esse tipo de política industrial fora dessas visões extremadas. No entanto, políticas de conteúdo local são uma iniciativa centenária, generalizadamente praticadas em grande número de países, para não dizer todos que almejaram avançar na trilha do desenvolvimento industrial e certamente fazem jus a exames mais minuciosos.

É marcante que um dos países mais ativos na construção de políticas de conteúdo local tenha sido os EUA, a maior potência industrial da história. No já longínquo ano de 1933, sintomaticamente durante a Grande Depressão que assolava a economia mundial à época, foi aprovado o Buy American Act, iniciativa pioneira no uso de compras públicas com o objetivo de fomentar a produção local. Recentemente, esse tipo de apoio vem sendo fortalecido em diversas medidas tomadas pelo governo Obama em resposta à grande crise financeira que eclodiu em 2007-2008. Uma dessas medidas é o American Recovery and Reinvestment Act, de 2009, um polpudo fundo de reestruturação econômica que favorece a produção made in USA em diversas de suas iniciativas.

Centenárias, tais políticas são adotadas pelos países cuja industria teve grande desenvolvimento

Com as crescentes restrições ao uso de tarifas de importação das últimas décadas, os requisitos de conteúdo local foram ganhando força e abrangência como vetor de desenvolvimento industrial e tecnológico. Três são as suas principais formas: a mobilização do poder de compra do Estado por meio da fixação de uma margem de preferência para os fabricantes locais; a concessão de incentivos fiscais ou financeiros a empresas que utilizem produtos elaborados no país na produção corrente ou nos investimentos; e a imposição de condicionalidades como cláusula de habilitação ou como critério de seleção do concessionário nos procedimentos licitatórios de bens ou serviços públicos. Cada uma dessas formas envolve particularidades cujo aprofundamento, por certo, não é compatível com este espaço.

Em um plano puramente conceitual, o debate sobre conteúdo local pode ser explicitado com base no argumento da indústria nascente. As exigências de conteúdo local "criam" uma demanda que é condição necessária e suficiente para motivar o surgimento de fornecedores domésticos. Logicamente, na fase inicial, a oferta doméstica é menos eficiente do que a externa. Com o tempo, se e quando os fornecedores locais lograrem acumular as economias de escala estáticas e dinâmicas (aprendizado) intrínsecas à atividade, os padrões internacionais de competitividade serão ou não alcançados, decretando o sucesso ou o fracasso da política.

No entanto, essa é uma situação em que o hiato de competitividade inicial decorre precipuamente de insuficiência de escala. Embora muito importante no passado, mais relevante hoje é a situação em que o hiato de competitividade decorre de insuficiência de inovação. É essa relação, mais complexa, entre produção local e inovação que vem justificando a percepção crescente nos EUA de que a estratégia "invente aqui, faça lá" das últimas décadas, se esgotou - ou em linguagem mais crua, fracassou - e agora está cobrando um preço alto como sugere a contestação pelas nações asiáticas da liderança tecnológica do país em diversos campos.

Nessas situações envolvendo conteúdo local e inovação o argumento da indústria nascente precisa ser reformulado. A criação de demanda por meio das exigências de conteúdo local passa a ser condição necessária mas não mais suficiente para motivar o surgimento de oferta. O conteúdo local tem também que cumprir uma decisiva função adicional como fator de coordenação de investimentos. Por seu turno, a mitigação do hiato de competitividade deixa de ser um processo apenas intensivo em tempo e passa a depender de muitos outros determinantes, ligados às potencialidades e limitações dos sistemas nacionais de inovação.

A correta compreensão dessa problemática é central para o desenho de políticas de conteúdo local capazes de discernir entre os diferentes sequenciamentos a serem estabelecidos entre as metas de conteúdo local e de eficiência/inovação. Resumidamente, em situações nas quais as empresas entrantes detêm as competências tecnológicas necessárias, a eficiência inicial pode ser fixada em patamar alto e o conteúdo local, mesmo que inicialmente baixo, deve ser crescente. Do contrário, o conteúdo local inicial deve ser fixado em patamar alto e é o requisito de eficiência, inevitavelmente baixo no início, que deve ser crescente.

Do exposto decorre como conclusão mais evidente a necessidade de dotar a política de conteúdo local de forçoso pragmatismo, o que exige buscar alguns atributos cruciais. O primeiro é a seletividade. Exigir conteúdo local não deve ser para qualquer coisa nem para qualquer um. O segundo é a temporalidade. É necessário que o modelo de incentivos e contrapartidas seja calibrado de forma a evitar que respostas muito demoradas penalizem os usuários dos bens e serviços em particular e a sociedade em geral. O terceiro atributo é a flexibilidade. Dispor de capacidade institucional para tomar ou rever decisões com total clareza e legitimidade deve ser o cerne de uma política de conteúdo local bem-sucedida.

David Kupfer é professor e pesquisador licenciado do Grupo de Indústria e Competitividade do Instituto de Economia da UFRJ (GIC-IE/UFRJ) e assessor da presidência do BNDES. Escreve mensalmente às segundas-feiras. E-mail: gic@ie.ufrj.br) www.ie.ufrj.br/gic. As opiniões expressas são do autor e não necessariamente refletem posições do BNDES.

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