Análise dos heróis que representaram e influenciaram os ideais masculinos da nossa cultura no século XX:

“A maioria das culturas aderiu a esse ideal masculino e criou seus próprios modelos, mas foi a América, sem rival cultural, que impôs a todo o universo suas imagens de virilidade: do caubói ao Exterminador, passando por Rambo, encarnados por atores cult (John Wayne, Sylvester Stallone, Arnold Schwarzenegger), esses heróis do cinema serviram de exutório e ainda povoam as fantasias de milhões de homens. Embora essas três representações da hipervirilidade obedeçam aos quatro imperativos mencionados, ninguém pode deixar de notar que do caubói ao Exterminador passou-se de um homem em carne e osso para uma máquina...

O personagem mítico do caubói, muito mais antigo que seus dois sucessores, suscitou inúmeras análises. Lydia Flem, psicanalista, destrinchou diferentes aspectos da masculinidade do cavaleiro solitário, que vem não se sabe de onde, o justiceiro acima da lei, ‘este ser puro que não conhece nem as transformações nem as misturas (...) e que não atingiu o estágio das nuanças’. O caubói encarna todos os estereótipos masculinos e o western conta sempre a mesma história, de uma perseguição incessante dos homens, em busca da sua virilidade. O colt, o álcool e o cavalo são os acessórios inevitáveis, e as mulheres só desempenham papéis secundários.

A relação do caubói com as mulheres é silenciosa. Para uns, isso não significa ausência de sentimentos, mas dificuldade de exprimi-los diretamente, sob pena de, com isso, perder a virilidade. Outros veem aí a prova da impotência afetiva. Imobilizado na ação, o herói viril não para de enfrentar os outros homens. L.Flem fala do prazer dos homens em se encontrar num terreno comum e propriamente masculino, o terreno dos combates.
O enfrentamento não impede os sentimentos viris. Aliás, a amizade entre homens — de coloração homossexual latente — reforça a masculinidade ameaçada pelo amor a uma mulher.

Em caso de conflito entre os dois sentimentos, quase sempre é o dever de solidariedade masculina que vence: o caubói parte para novas aventuras. (...) Embora impassível e silencioso, o herói do western deixa o espectador adivinhar o seu lado humano: seus conflitos, seus sentimentos, portanto, sua fraqueza. No espaço de um olhar, ele mostra uma tentação, um arrependimento, mostra em suma, que tem coração. Suspeita-se que ele ame seu cavalo, um amigo ou uma mulher.

Nisso está a sua grande diferença em relação ao Rambo ou ao Exterminador, que não têm sequer essas fraquezas. Dotados de uma força sobre-humana, eles se esvaziaram de todo sentimento. Rambo, em sua armadura de músculos, não é incomodado nem por um cavalo, um amigo ou uma mulher. Seu único companheiro é um imenso punhal afiado que lhe serve de amuleto, reforço fálico de uma virilidade ainda humana e, portanto, fraquejante.

Nada disso ameaça o Exterminador, máquina onipotente. O macho em estado puro não tem mais nada de humano, nem mesmo o sexo, que é a parte mais frágil e incontrolável do homem. Os espectadores do sexo masculino podem se deleitar, durante um filme, com a identificação à potência total. O Exterminador está livre das injunções da moral, do medo, da dor e da morte, assim como de toda ligação sentimental. A máquina viril é incomparavelmente menos vulnerável que o mais forte dos machos.

Fazer exatamente o que se deseja quando se deseja: eis o sonho oculto de todos os meninos adormecidos em muitos homens. Só isso explica o sucesso mundial de um filme cujas proezas técnicas são incontestáveis, mas cujo roteiro é inconsistente e cujo maior mérito é oferecer durante duas horas uma hipervirilidade que não existe na vida real.” (The forty-nine percent majority, de Deborah S. David e Robert Brannon)

Na vida real, homens e mulheres têm as mesmas necessidades psicológicas — amar e ser amado, expressar emoções, ser ativo ou passivo —, mas o ideal do homem impede-lhe a satisfação dessas necessidades, abrindo espaço para a violência masculina no dia-a-dia. Essa violência não é a mesma em todos os lugares. É muito maior onde se cultua o mito da masculinidade, como nos Estados Unidos.

Trecho o livro A Cama na Varanda, de Regina Navarro Lins

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