O que está acontecendo com o site Livros de Humanas é muito significativo: chegamos ao momento em que podemos carregar milhões de páginas dentro de um aparelho que pesa meio quilo ou menos, mas quem lucra com esse material está empenhado em manter uma forma de controle que tem por base a visão patrimonialista que sempre cai no "tudo ou nada": pagou, pode ler; não pagou, não pode ler. Segundo essa visão, o livro deve ser visto como uma "propriedade", um terreno a ser protegido com muros altíssimos e cercas elétricas contra quem cogite invadir. Entrar nele é apenas para quem pagou ingresso. Sem pagar, não se pode sequer dar uma espiada no índice. E os invasores, claro, serão repelidos e exemplarmente punidos. Qualquer paralelo com as lutas por terra e moradia não é à toa. A lógica é a mesma. Exatamente a mesma. Pouco importa se você precisa plantar, morar, estudar: o que importa é que possa pagar. Diante da mercadoria, ou paga ou fica à míngua. É por isso que, lembrando daquilo que chamamos de criminalização quanto aos movimentos sociais, posso afirmar que sem o apoio concreto de seus leitores, que não são poucos, o responsável pelo site será esmagado juridicamente. Com o apoio, é bem provável que também seja, mas é preciso que fique claro que todo aquele material não era colocado no ar para lesar os direitos de autores e editoras, mas apenas para fazer circular livros indispensáveis para diversas áreas (algo que certamente interessa aos autores). Como seriam os cursos - não só os de humanas - sem que alunos e professores recorressem a cópias que, do ponto de vista estreito da propriedade intelectual, são proibidas? Posso responder: inviáveis. Já circulei por algumas das faculdades da USP, em cursos sobre temas diversos, e creio que metade da bibliografia deles não era mais acessível pela via defendida pela ABDR, a compra e venda. Boa parte deles, aliás, não estava sequer nas bibliotecas. Qualquer aluno sabe que, ao fim de cada ano de curso, é possível fazer uma boa pilha com as cópias que se acumulam. Obviamente, há no meio dessa pilha muitos livros ainda em catálogo, mas estes acabam sendo copiados por uma outra razão muito séria: o preço extorsivo dos livros. Enfim, se o Livros de Humanas for esmagado porque - sem cobrar nada - deu acesso a uma bibliografia impressionante e, em grande parte, fora de circulação, perdem todos aqueles que dependem de livros para viver e trabalhar: leitores, autores, editores. Todos meus amigos que, eu sei, frequentavam o Livros de Humanas são justamente os mesmos que, também sei, gastam mais do que podem comprando livros. Azar das editoras se, nessa briga, ficarem do lado dos que preferem o comércio ao conhecimento. Não sei dizer como seria esse apoio concreto ao rapaz que mantém o site, mas se alguém tiver uma ideia, faça como o Livros de Humanas: ponha pra circular. Para começar, eu conclamo os professores que estão por aqui a um levantamento, em suas bibliografias, sobre qual a situação atual dos livros que indicam aos alunos: estão à venda, quanto custam, estão nas bibliotecas etc. Acho que o resultado será surpreendente.

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