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Jose porfiro · @JPorfiro

26th Apr 2012 from Twitlonger

O debate da desindustrialização

Cristiano Romero, Valor Econômico, 25/08/10

Vários dados desmentem a tese de desindustrialização, mas é importante ficar atento à indústria do pós-crise

Há sinais de que a indústria brasileira vem perdendo competitividade no pós-crise. Aparentemente, as exportações subsidiadas da China, principalmente para mercados tradicionais do Brasil na América Latina, e a valorização do real frente ao dólar explicam parte do problema. É cedo, no entanto, para falar em desindustrialização e, portanto, na necessidade de adoção de medidas anacrônicas, como o fechamento do mercado nacional sugerido pelo presidente da Fiesp, Benjamin Steinbruch.
Dados compilados pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI) mostram que, depois de gerar superávits comerciais por cinco anos consecutivos, a indústria começou a acumular déficits em 2008. No primeiro semestre daquele ano, o resultado negativo foi de US$997 milhões. No mesmo período de 2009, o déficit ampliou-se para US$2,1 bilhões e, entre janeiro e junho deste ano, saltou para US$14,3 bilhões, o maior desde 1989.
Estudiosos do assunto, os economistas Régis Bonelli e Samuel Pessoa, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas, afirmam que não dá para falar em desindustrialização no período que vai até 2008, ano em que o país sofreu os efeitos da crise financeira internacional. O processo de redução da participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB) resultou, nos últimos 40 anos, de fatores conjunturais e, especialmente, das transformações estruturais ocorridas na economia - aqui e no mundo.
Em 1947, a indústria de transformação respondia por 20% do PIB no Brasil. Em 1985, essa participação chegou ao pico - 36%. Em 2008, caiu para 16% do PIB. Para entender o contexto dessa mudança, Bonelli e Pessoa estudaram, de forma meticulosa, as experiências brasileira e internacional e constataram que o encolhimento da indústria é um fenômeno global.
Considerando um grupo de 185 países, portanto, quase a totalidade das nações, observa-se que, em 1970, o produto industrial era responsável por 25% do PIB mundial. Em 2007, a participação caiu para pouco menos de 17%. Ao analisar o que ocorreu em 16 países semelhantes ao Brasil, Bonelli e Pessoa concluíram que o país estava “sobreindustrializado” no início dos anos 70 do século passado, ou seja, tinha uma participação da indústria no PIB bem superior, na média, à das outras economias. Um das razões para isso foi o aprofundamento do modelo de substituição de importações nos anos 70 e 80.
No período 1970-1972, a indústria representava 25,3% do PIB brasileiro, face a uma média de 20,4% nos 16 países avaliados. Já em 2005-2007, os percentuais caíram, respectivamente, para 15,7% e 14,6% do PIB. É verdade que o recuo da indústria foi mais intenso no Brasil, mas o que Bonelli e Pessoa sustentam é que, enquanto esteve acima da média nos anos 70 e 80, o Brasil voltou à “normalidade” em termos de produção industrial nos anos 90, levando-se em conta suas características socio-econômicas e tecnológicas.
Quando se observa o comportamento recente, vê-se que o emprego industrial cresceu de 12,8% do total em 1992 para 14,4% em 2008, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). A Pesquisa Industrial Anual (PIA), feita também pelo IBGE, revela, por sua vez, que o emprego na indústria aumentou de 7,44% da população ocupada total em 1996 para 8,35% em 2008. No mesmo período, a participação do investimento da indústria na Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) pulou de 14,4% para 18,5%. Tudo isso desmente a tese da desindustrialização.
Bonelli e Pessoa, que tratam do tema na Carta do Ibre que será divulgada nos próximos dias, reconhecem que é preciso examinar de forma rigorosa a tendência daqui em diante, ou seja, do pós-crise de 2008. No ciclo de crescimento iniciado em 2003 e interrompido em 2008 pela turbulência mundial, a economia brasileira acelerou puxada principalmente pela demanda externa. No ciclo atual, é o mercado interno que está liderando a alta do PIB.
Nesse contexto, o déficit em transações correntes está crescendo de forma acelerada - de 1,72% do PIB em 2008 para 2,5% do PIB em 2010, segundo projeção do Banco Central. Com déficits externos crescentes e com a valorização do câmbio, que permite o financiamento internacional do excesso de consumo e investimento, é “natural”, assinalam os dois economistas da FGV, “que ressurjam preocupações sobre o impacto da moeda forte no setor industrial”.
Bonelli e Pessoa lembram que, no pós-crise, a exportação brasileira de produtos manufaturados não retornou ao padrão de 2008, “o que é preocupante”. “Como se sabe, a China reagiu à crise mantendo o nível do seu câmbio nominal, tanto no momento inicial de desvalorização das moedas em geral em relação ao dólar, quanto na subsequente reapreciação. À medida que os efeitos da turbulência foram se dissipando, processo particularmente rápido no mundo emergente, as moedas desses países - e, especialmente a daqueles, como o Brasil, que se beneficiam da alta das commodities - valorizaram-se ante o dólar, e, consequentemente, diante do yuan”, explicam os economistas. “Por outro lado, com a retração do consumo nos países ricos, cujo tecido econômico foi danificado de forma mais duradoura pela crise, a China tende naturalmente a voltar suas baterias exportadoras para países emergentes.”
O “efeito China” pode estar por trás da “primarização” da pauta de exportações do Brasil. A perda de competitividade, medida pelo déficit comercial no primeiro semestre, é maior nos bens de média-alta tecnologia e naqueles fabricados por atividades consideradas de alta intensidade. É prematuro, no entanto, afirmar que o Brasil sofre de desindustrialização. “Não se trata de uma sangria desatada, e reações precipitadas - especialmente no sentido de alterar o regime macroeconômico e o cambial - seriam certamente equivocadas”, comentam Bonelli e Pessoa. O câmbio, como se sabe, é mais um sintoma do que a causa dos problemas estruturais da economia brasileira.
Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras.
E-mail: cristiano.romero@valor.com.br


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17/11/2010

Desindustrialização
O jornal Valor de hoje publica com exclusividade um estudo “reservado” do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), que sustenta haver uma combinação de “desindustrialização negativa” com “reprimarização” da pauta de exportações. As duas teses são aceitas por segmentos da esquerda e por uma corrente de economistas que se autointitulam “desenvolvimentistas”. Essas idéias são no mínimo polêmicas e têm escassa sustentação na realidade.

Como falar em “desindustrialização” se o setor industrial opera perto de sua capacidade? A desindustrialização – medida pela participação do emprego industrial no total – é um processo natural na evolução da economia. No caminho de desenvolvimento, a agricultura perde participação para a indústria e esta passa depois o bastão aos serviços. Isso não quer dizer que esses setores encolhem, mas que os outros crescem mais rapidamente. E isso gera crescente bem-estar. Nos Estados Unidos, o emprego industrial está em torno de 9% e o país continuou crescendo (a estagnação atual tem outra origem, a crise financeira de 2008).

A tese de “reprimarização” se baseia mais na observação de uma planilha do que em estudos aprofundados. Segundo o MDIC, a participação dos produtos primários na pauta de exportações alcançou 43,4%, enquanto a dos industrializados ficou em 40,5%. Bingo! Estamos voltando à epoca do Jeca Tatu! Faltou ao MDIC dizer duas coisas: 1) que o aumento da participação dos primários é o resultado da maior demanda da China por nossos produtos agrícolas e pelo minério de ferro, nos quais somos altamente competitivos. O país deve comemorar e não lamentar. O México, que manda 80% de suas vendas externas para os Estados Unidos adoraria ter esse “desconforto”; 2) que a queda dos industrializados está influenciada pela baixa demanda e pela queda de preços nos países ricos, por causa da crise.

Um economista mediano poderia ensinar aos técnicos do MDIC como funciona a elasticidade nos produtos industriais. Eles reagem mais rapidamente do que os produtos primários a alterações na demanda. A queda nesta acarreta uma diminuição mais do que proporcional na venda de produtos industriais; uma subida faz os produtos industriais ganharem mais do que proporcionalmente. Esse economista poderia ainda dizer ainda que a ociosidade nos países ricos leva sua indústria a oferecer seus produtos a preços mais baixos, às vezes sem ganhar nada, apenas para se manter à tona. Essa desgraça alheia beneficia os consumidores brasileiros, principalmente os de bens de capital. A experiência mostra que a indústria brasileira se moderniza mais rapidamente em períodos como esses, pois a decorrente valorização cambial barateia o custo dos equipamentos e cria incentivos à sua importação. Claro, segmentos da indústria sofrem, mas o resultado líquido para o país, nesse campo, é positivo.

A indústria brasileira tem sofrido barbaridades com a perda de competitividade, mas atribuir isso exclusivamente ao câmbio, como tem sido o caso dos defensores da tese da “desindustrialização”, é um perigo. Pode levar o governo a adotar medidas extemporâneas e equivocadas para subir o câmbio e conceder subsídios aos exportadores. Um bom estudioso da evolução da economia brasileira mostrará facilmente que o custo desse “desenvolvimentismo” recai sobre os ombros das classes média e menos favorecidas. Aquela paga mais caro pelos produtos, estas enfrentam o custo muito amargo da perda de renda com a resultante inflação.

É preciso de vez entender que o problema da competitividade está nos custos sistêmicos que oneram os produtos brasileiros. O câmbio apenas amplifica o problema. E o caso da carga tributária excessiva e caótica. As empresas brasileiras gastam 2.600 horas por ano para cumprir obrigações tributárias, em comparação com 100 a 200 nos países ricos (até menos em alguns casos) e abaixo de 300 nos países emergentes com os quais competimos. A falta de investimentos em infraestrutura (que o PAC está a nos luz de resolver) dificulta a operação da logística, gerando ineficiências que prejudicam a indústria e a agricultura. Há produtos agrícolas que custam mais para transportar do que para produzir. A burocracia é infernal e tem piorado com o aparelhamento do Estado pelo governo do PT. O setor público tem sido povoado por pessoas cujas qualificações derivam mais de sua filiação partidária do que de competência para exercer os cargos.

Tentar resolver essas questões via câmbio e subsídios é o caminho para a repetição de erros do passado, que custaram caro à sociedade. Para quem quiser conhecer um pouco mais sobre a furada tese da “desindustrialização”, recomendo o estudo de Regis Bonelli e Samuel Pessoa, publicado pela FGV, encontrável no site da FGV.
http://www.tribunaforense.com/artigo_art_det.asp?article_title=Desindustrializa

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