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Jose porfiro · @JPorfiro

14th Feb 2012 from Twitlonger

O renascimento do Estado-nação por Dani Rodrik [+ Nakano]

[A crise financeira mundial acabou com esse mito de irrelevante]
Quem socorreu os bancos e evitou a escalada da catástrofe? Quem está revendo a regulamentação dos mercados para impedir outra crise?

VALOR ECONÔMICO, 14-02-2012

Um dos mitos básicos de nossa era é o de que a globalização condenou o Estado-nação à irrelevância. A revolução nos transportes e comunicações, costuma-se ouvir, pulverizou fronteiras e encolheu o mundo. Novas formas de governo, desde redes transnacionais de agências de regulamentação até organizações internacionais da sociedade civil e instituições multilaterais, vêm transcendendo e suplantando os parlamentares nacionais. As autoridades políticas domésticas, comenta-se, são impotentes ante os mercados mundiais.
A crise financeira mundial acabou com esse mito. Quem socorreu os bancos, injetou liquidez, empenhou-se em estímulos fiscais, proporcionou redes de segurança social para desempregados e evitou a escalada da catástrofe? Quem está reescrevendo as regras de supervisão e regulamentação dos mercados financeiros para impedir outra crise? Quem leva a maior parte da culpa por tudo que sai errado? A resposta é quase sempre a mesma: os governos nacionais. O G-20, Fundo Monetário Internacional (FMI) e Comitê de Supervisão Bancária da Basileia, em geral, ficaram em segundo plano.

{Quem socorreu os bancos e evitou a escalada da catástrofe? Quem está revendo a regulamentação dos mercados para impedir outra crise? Quem leva a maior parte da culpa por tudo que sai errado? A resposta é quase sempre a mesma: os governos nacionais}

Mesmo na Europa, onde as instituições regionais são relativamente fortes, são os interesses nacionais e as autoridades políticas domésticas, em grande parte, na figura da primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, que vêm dominando a definição das políticas. Se Merkel fosse menos apaixonada pela receita de austeridade passada aos países europeus assolados por dívidas e se ela tivesse conseguido convencer seu eleitorado doméstico da necessidade de uma abordagem diferente, a crise da região do euro teria se desdobrado de uma forma bem diferente.
Embora o Estado-nação ainda sobreviva, sua reputação está em frangalhos. A investida intelectual contra o Estado-nação assume duas formas. Na primeira, há a crítica dos economistas que veem os governos como um impedimento à livre circulação de bens, capital e pessoas pelo mundo. Se impedirmos os políticos de intervir com suas regras e barreiras, dizem esses economistas, os mercados mundiais tomarão conta de si próprios e, no processo, criarão uma economia mundial mais integrada e eficiente.
Quem, no entanto, determinará as regras e regulamentações dos mercados, senão os Estados-nações? O "laissez-faire" é uma receita para mais crises financeiras e maior retrocesso político. Além disso, exigiria delegar a política econômica a tecnocratas internacionais, figuras isoladas das pressões inerentes à política - uma situação que restringe seriamente a democracia e a responsabilidade política.
Em resumo o "laissez-faire" e a tecnocracia internacional não proporcionam uma alternativa plausível ao Estado-nação. Na verdade, enquanto não dispomos de mecanismos viáveis de governança mundial, a erosão do Estado-nação, em última análise, traz pouco de positivo para os mercados mundiais.
Na segunda forma, há os pensadores éticos cosmopolitas que condenam a artificialidade das fronteiras nacionais. Como o filósofo Peter Singer disse, a revolução das comunicações gerou uma "audiência global", que cria uma base para uma "ética global". Se nos identificamos com a nação, nossa moralidade permanece nacional. Se, no entanto, cada vez mais nos associarmos ao mundo em geral, nossas lealdades também se expandirão. De forma similar, o economista vencedor do Nobel, Amartya Sen, fala de nossas "identidades múltiplas" - étnicas, religiosas, nacionais, locais, profissionais e políticas - muitas das quais atravessam as fronteiras nacionais.
Não está claro quanto disso é mera expressão de desejo e quanto é baseado em mudanças reais nas identidades e afinidades das pessoas. Pesquisas mostram evidências de que a afinidade das pessoas com o Estado-nação continua bastante forte.
Há poucos anos, a Pesquisa Mundial de Valores consultou pessoas em vários países sobre sua afinidade com as comunidades locais, suas nações e o mundo em geral. Não foi nenhuma surpresa descobrir que os pesquisados que se viam como cidadãos nacionais superavam amplamente os que se consideravam cidadãos do mundo. Surpreendentemente, no entanto, a identidade nacional superava até a identidade local nos Estados Unidos, Europa, Índia, China e na maioria dos outros lugares.
A mesma pesquisa indica que os mais jovens, os que têm mais estudo e os que se identificam como sendo das classes mais altas são mais propensos a se sentir associados ao mundo em geral. É difícil, no entanto, identificar qualquer faixa demográfica em que a afinidade à comunidade mundial supera a ligação ao país.
Por maiores que tenham sido os declínios nos custos com transportes e comunicações, não foram suficientes para tirar a geografia de cena. As atividades políticas, sociais e econômicas continuam agrupadas em torno a preferências, necessidades e trajetórias históricas que variam ao redor do mundo.
A distância geográfica é um determinante de intercâmbio econômico tão forte quanto era há 50 anos. Mesmo a internet, no fim das contas, não é tão independente das fronteiras quanto parece: um estudo mostrou que os americanos são mais inclinados a visitar sites de países fisicamente próximos do que de lugares mais distantes, mesmo levando em conta o idioma, renda e muitos outros fatores.
O problema é que ainda estamos sob o domínio do mito do declínio do Estado-nação. Líderes políticos alegam impotência, intelectuais sonham com esquemas implausíveis de governança global e os que se veem como perdedores, cada vez mais, culpam os imigrantes ou as importações. Quando se fala sobre revigorar o Estado-nação, pessoas respeitáveis fogem assustadas, como se tivessem ouvido uma proposta de reinstituir a praga.
Naturalmente, a geografia de afinidades e identidades não é fixa: de fato, vem mudando ao longo da história. Isso significa que não devemos descartar inteiramente a probabilidade de surgimento de uma verdadeira consciência mundial no futuro, juntamente com comunidades políticas transnacionais.
Os desafios atuais, entretanto, não podem ser enfrentados por instituições que (ainda) não existem. Por enquanto, as pessoas ainda precisam recorrer a seus governos nacionais em busca de soluções, o que continua sendo a melhor esperança de uma ação coletiva. O Estado-nação pode ser uma relíquia que nos foi legada pela Revolução Francesa, mas é tudo o que temos.

Dani Rodrik é professor de Economia Política Internacional na Harvard University e autor de "The Globalization Paradox: Democracy and the Future of the World Economy" (o paradoxo da globalização: democracia e o futuro da economia mundial, em inglês). Copyright: Project Syndicate, 2012.

www.project-syndicate.org


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The Nation-State Reborn
Dani Rodrik Series: Roads to Prosperity
2012-02-13
One of our era's foundational myths is that globalization has condemned the nation-state to irrelevance. But national governments remain our best hope for collective action – indeed, in the absence of transnational identities and viable global-governance mechanisms, they are all that we have.... read
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http://www.project-syndicate.org/commentary/rodrik67


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When Women Lead
Joseph S. Nye Series: Of Might and Right
2012-02-08
Would the world be more peaceful if women were in charge? It is an interesting question, but the key choices about war and peace in our future will depend not on gender, but on how leaders – men and women alike – combine hard- and soft-power skills to produce smart strategies.... read
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Europe’s Tobin Tax Distraction
Barry Eichengreen Series: The Next Financial Order
2012-02-09
European leaders have revealed their top-secret plan for solving the euro’s crisis: a version of the “Tobin tax,” a levy on financial transactions first suggested in 1972. The only problem is that the tax was intended to solve an entirely different problem from those that afflict Europe today.... read
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The Eurozone’s Fork in the Road
Mario I. Blejer and Eduardo Levy Yeyati Series: The New Global Economy
2012-02-09
The ECB's recent decision to lend unlimited funds to eurozone commercial banks at very low rates acknowledges the need to address a core drawback in the euro-architecture: the ECB itself. However the banks use the money, it is now clear that the eurozone’s future will be determined largely by the ECB.... read
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The Public and Its Problems
Raghuram Rajan Series: In Search of Dynamism
2012-02-13
Why, many Europeans are wondering nowadays, do their politicians fail to see the abyss that yawns before them, and come together to resolve the euro crisis once and for all?But, if leaders in Europe (and America) appear short-sighted and indecisive, the fault may lie with us, the public, for not listening to the worrywarts.... read
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Nixon Then, China Now
Minxin Pei Series: China World
2012-02-13
When US President Richard Nixon began his historic trip to China 40 years ago this February 21st, he could not have imagined what his gamble would unleash. The question today is whether China can sustain its success under a one-party regime that is hostile to the liberal values that inspire and underpin globalization.... read
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Interregno hegemônico
Por Yoshiaki Nakano
A crise financeira de 2008, desencadeada pela crise do subprime em 2007, tem o seu foco nos EUA e na Europa. Os países emergentes e, particularmente, os Brics revelaram-se extremamente resistentes e transformaram-se hoje no polo do crescimento da economia global. É uma crise do próprio centro do sistema global de poder com todas as suas implicações. As suas consequências também deverão ser profundas e persistentes.

O que está em jogo é uma variedade de capitalismo e a globalização liberalizante que chegaram ao seu limite e a provável ascensão de um novo tipo de capitalismo e de globalização. A ascensão da plutocracia financeira ao poder com Reagan/Thatcher, desde 1980, significou a retração do Estado-nação na sua função reguladora e controladora, com domínio de doutrinas como a de "mercado eficiente", sempre em equilíbrio, e capaz de se autorregular. O mercado se transformou no princípio de organização da economia capitalista, em contraposição ao Estado-nação. Mas, se não fosse a massiva intervenção e o socorro prestado pelo Estado, o mercado financeiro desregulado teria adquirido um poder autodestrutivo tão grande que o sistema financeiro teria praticamente desaparecido. Por razões de sobrevivência do próprio capitalismo, o Estado-nação está retomando a sua função reguladora e controladora dos mercados num processo adaptativo.

A China aparece como um candidato natural para se tornar, gradualmente, o paradigma econômico dominante nas próximas décadas. Se apresenta como um novo capitalismo de Estado, em substituição modelo da liberalização global. Se isso acontecer, o mercado livre será substituído pelo Estado-nacional como princípio dominante de organização e de controle das economias nacionais, e da nova a fase da globalização. Em países em que a liberalização avançou excessivamente e em crise financeira, o Estado ampliará seu foco de regulação e controle sobre os mercados. Nos países onde o poder do Estado é o agente organizador e controlador da economia, como na China, o mercado, enquanto princípio organizador, deverá ser ampliado.

Novo capitalismo de Estado, a China aparece como o paradigma econômico dominante nas próximas décadas

Esse processo adaptativo entre mercado e Estado será longo e complexo, pois a plutocracia financeira é ainda o poder hegemônico e resistirá ao avanço da regulação. Mas quanto maior for a resistência e quanto maior for o período de dominância do mercado livre, maior será a crise necessária para que o princípio adaptativo funcione.

Vamos viver nas próximas décadas um longo interregno, com o declínio dos Estados Unidos e Europa e ascensão da China e dos países emergentes. Tanto os Estados Unidos como a Europa terão que concentrar suas energias para recuperar e revitalizar suas economias, num contexto de crescente oposição e polarização política doméstica, abrindo espaço para a emergência de novos estados-nacionais com atores políticos, a exemplo do G-20. Somente com a ascensão de nova coalizão global de forças políticas é que será construída uma nova ordem internacional, com a imposição de um novo pensamento econômico, o que deverá levar décadas. Nesse interregno hegemônico, será perfeitamente possível que conceitos como soberania, Estado-nação e nacionalismo venham adquirir força política e movimentem as massas, pois serão alimentados pelo crescente protecionismo, em pleno andamento, e pelo fato do problema de desemprego ser sempre um problema nacional.

Há uma similaridade histórica com o que aconteceu depois da Grande Depressão de 1890 até o fim da Grande Depressão de 1929 a 1939, foi um longo interregno marcado pelo declínio da hegemonia global inglesa e a ascensão americana, que se consolidou na segunda guerra mundial. Neste interregno, assistimos ao gradual declínio da plutocracia financeira inglesa e a ascensão do poder industrial americano. Fazendo paralelo histórico, poderemos ter, desta vez, o declínio da plutocracia financeira americana e a ascensão do poder industrial asiático.

Com redistribuição de poder e liderança na economia mundial, mais o declínio de um paradigma econômico que prevaleceu nas últimas três décadas, vamos viver um longo período de vácuo de poder dominante, com degelo da sua ideologia, seu pensamento econômico e dos consensos de políticas. Novas regras do jogo deverão emergir, mas nada disso tem uma evolução continua e linear.

Um interregno abre brechas e, países como o Brasil poderão agir estrategicamente para alcançar seus objetivos. Para países dependentes e com forte herança colonial, a globalização implicou num deslocamento deliberado para o exterior do dinamismo da economia e aumento da sua importância relativa do setor externo (fluxo de capitais) vis-à-vis setor interno da economia. Esta importância relativa não se refere apenas às condições econômicas e financeiras, mas principalmente ideológicas e dominância do pensamento econômico hegemônico. Com o interregno, a autonomia com que países podem perseguir objetivos nacionais de política econômica mudará substancialmente. É nesse panorama que cabe colocar se a Grande Recessão é uma ameaça ou oportunidade para o desenvolvimento brasileiro? Que futuro podemos conjecturar para o Brasil?

Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras.

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