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Jose porfiro · @JPorfiro

25th Jan 2012 from Twitlonger

A fome mundial de bens públicos

Martin Wolf

Quanto mais nos capacitamos a ofertar bens privados e, assim, mais ricos nos tornamos, mais complexos são os bens públicos de que precisamos

Valor Econômico - 25/01/2012



Bens públicos são os elementos constituintes da civilização. A estabilidade econômica é, em si mesma, um bem público. Também o são segurança, ciência, ambiente limpo, confiança, governança honesta e liberdade de expressão. A lista poderia ser bem maior. Isso é relevante, porque é difícil conseguir um suprimento adequado desses bens. Quanto mais mundiais os bens públicos, mais difíceis de obter. Ironicamente, quanto mais nos capacitamos a ofertar bens privados e, assim, mais ricos nos tornamos, mais complexos são os bens públicos de que precisamos. Os esforços da humanidade no sentido de enfrentar esse desafio poderão revelar-se a história definidora do século.

A leitura da série Capitalismo em Crise, do "Financial Times", sublinha essa lição. Um elemento central do debate é a forma de evitar instabilidade financeira extrema. Essa instabilidade é um mal público. Evitá-la é um bem público. Aqueles que agem no sistema de mercado não têm nenhum incentivo para disponibilizar o bem ou evitar o mal.

Para os não familiarizados com essa terminologia, o que é um bem público? No jargão, um bem público é "não excludente" e "não competitivo". Não excludente significa que não se pode impedir não pagadores de desfrutar os benefícios. Não competitivo significa que seu desfrute por uma pessoa não se dá à custa de outra. A defesa nacional é um bem público clássico. Se um país mantém-se a salvo de ataques, todos se beneficiam, inclusive os residentes que em nada contribuem. Novamente, o desfrute dos benefícios por alguns não reduz o defrute por outros. Da mesma forma, se a economia mantém-se estável, todos gozam o benefício e ninguém pode ser privado desse direito.

Bens públicos são um exemplo daquilo que os economistas denominam "falha de mercado". Esse aspecto é generalizado na terminologia relativa a "externalidades" - consequências, boas ou más, não levadas em conta por aqueles que tomam as decisões. Nesses casos, a mão invisível de Adam Smith não funciona como poderíamos desejar. Alguma forma precisa ser encontrada para mudar comportamentos; bens públicos normalmente envolvem alguma verba estatal; as externalidades geralmente envolvem um imposto, um subsídio ou alguma mudança em direitos de propriedade. Economistas de livre mercado, como Tyler Cowen, da George Mason University, preferem este último.

Os economistas tendem a assumir que a economia de mercado é intrinsicamente estável. Se assim fosse, a estabilidade seria disponibilizada automaticamente. Infelizmente, as coisas não são assim. A economia de livre mercado pode expandir o crédito sem limites, a custo zero. Uma vez que a oferta monetária é simplesmente o passivo contraparte de decisões de crédito privadas, a instabilidade é um ingrediente do bolo econômico. Por essa razão, a estabilidade econômica é um bem público que temos grande dificuldade em suprir. As consequências de repetidos fracassos nesse sentido também podem ser terríveis. Até mesmo o falecido Milton Friedman acreditava na necessidade de intervenção governamental, por meio de bancos centrais, para evitar longas séries de colapsos bancários.

Muito mais pode ser dito sobre as facetas de bem público da estabilidade financeira e econômica. Mas há um aspecto mais profundo em tudo isso. A história da civilização é a história de bens públicos. Quanto mais complexa a civilização, tanto maior o número de bens públicos que precisam ser fornecidos. A nossa civilização é, de longe, a mais complexa que a humanidade já desenvolveu. Por essa razão, sua necessidade de bens - e bens com características de bens públicos, como educação e saúde - é extraordinariamente grande. A instituição que, historicamente, disponibiliza bens públicos é o Estado. Mas não está claro se os Estados contemporâneos têm condições de - ou se lhes será permitido - disponibilizar bens que agora exigimos.

A história dos bens públicos remonta ao nascimento dos Estados, que foram resultado da revolução agrícola. Essa revolução tornou populações vulneráveis a salteadores - que o falecido Mancur Olson denominou "bandidagem errante". A reação foi o "bandido estacionário": o Estado. Não foi uma resposta perfeita. Mas funcionou o suficiente para permitir aumentos substanciais de população. O Estado provia defesa em troca de tributação. Os impérios - seja Roma ou a China - gozaram de economias de escala ao oferecer segurança. Quando Roma caiu, a segurança foi privatizada por gangsters local, a enorme custo social: foi o que hoje denominamos feudalismo.

A revolução industrial expandiu as atividades do Estado de inúmeras maneiras. Isso ocorreu fundamentalmente por causa das necessidades da própria economia. Os mercados não poderiam, por conta própria, disponibilizar uma população educada ou grandes infraestruturas, defender a propriedade intelectual, proteger o ambiente e a saúde pública, e assim por diante. Os governos sentiram-se obrigados a - ou tiveram prazer em - intervir, como fornecedores e agentes regulamentadores ou subsidiadores e coletores de impostos. Além disso, a chegada da democracia tornou crescente a demanda por redistribuição, em parte como resposta à insegurança dos trabalhadores. Por todas essas razões, o Estado moderno, muito mais poderoso do que qualquer outro antes existente, explodiu, em termos do leque e da escala de suas atividades. Será, isso, revertido? Não. Será que funciona bem? Essa é uma boa pergunta.

Mas considere onde estamos agora. O impacto da humanidade é, como o da economia, cada vez mais mundial. A estabilidade econômica é um bem público mundial. O mesmo vale, na era das armas nucleares, para a segurança. E o mesmo vale, em aspectos importantes, para o controle do crime organizado, falsificação, pirataria e, acima de tudo, poluição. E também, até mesmo, para a oferta de educação ou de serviços de saúde. O que acontece em qualquer lugar afeta a todos - e cada vez mais.

Nossos Estados não podem fornecê-los por conta própria. Eles precisam cooperar. Tradicionalmente, a maneira menos ruim de assegurar essa cooperação é através de algum tipo de liderança. O líder atua a despeito dos que vão de carona. Em consequência, alguns bens públicos globais têm sido supridos adequadamente - ainda que imperfeitamente. Mas à medida que avançamos novamente para uma era multipolar, a capacidade de algum país suprir tal liderança será limitado. Mesmo nos dias unipolares, isso só funcionou onde a potência hegemônica quis fornecer o bem público em questão.

Eu comecei falando de estabilidade econômica porque a grande surpresa dos últimos anos é exatamente com tem sido difícil proporcionar até mesmo isso. A questão com que quero concluir é muito mais ampla. Nossa civilização é cada vez mais mundial, exigindo a prestação de uma ampla diversidade de bens públicos. Precisamos pensar sobre como administrar esse mundo. Será necessária uma criatividade extraordinária. (Tradução de Sergio Blum)

Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT

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World hungers for public good, but can we deliver

January 24, 2012 7:24 pm

The world’s hunger for public goods

By Martin Wolf

Public goods are the building blocks of civilisation. Economic stability is itself a public good. So are security, science, a clean environment, trust, honest administration and free speech. The list could be far longer. This matters, because it is hard to secure adequate supply. The more global the public goods the more difficult it is. Ironically, the better we have become at supplying private goods and so the richer we are, the more complex the public goods we need. Humanity’s efforts to meet that challenge could prove to be the defining story of the century.
Reading the Financial Times’ series Capitalism in Crisis underlines this lesson. A central element of the debate is how to avoid extreme financial instability. Such instability is a public bad. Avoiding it is a public good. Those acting inside the market system have no incentive to supply the good or avoid the bad.
What, for those unfamiliar with this terminology, is a public good? In the jargon, a public good is “non-excludable” and “non-rivalrous”. Non-excludable means that one cannot prevent non-payers from enjoying benefits. Non-rivalrous means that one person’s enjoyment is not at another person’s expense. National defence is a classic public good. If a country is made safe from attack everybody benefits, including residents who make no contribution. Again, enjoyment of the benefits does not reduce that of others. Similarly, if an economy is stable, everybody has the benefit and nobody can be deprived of it.
Public goods are an example of what economists call “market failure”. The point is generalised in the language of “externalities” – consequences, either good or bad, not taken into account by decision-makers. In such cases, Adam Smith’s invisible hand does not work as one might like. Some way needs to be found to shift behaviour; public goods usually involve some state provision; externalities usually involve a tax, a subsidy or some change in property rights. Free-market economists, such as Tyler Cowen of George Mason University, prefer the latter. But even that requires effective public action, if only via the apparatus of the law.
Economists have tended to assume that the market economy is inherently stable. If so, stability is supplied automatically. Unfortunately, this is not so. A free-market economy can expand credit without limit, at zero cost. Since money supply is simply the liability counterpart of private credit decisions, instability is baked in the economic cake. For this reason, economic stability is a public good we find quite hard to supply. The consequences of the repeated failure to do so can also be dire. Even the late Milton Friedman believed that government intervention, via the central bank, was needed to prevent long chains of banking collapses.
Much more can be said about the public-good aspects of financial and economic stability. But there is a deeper aspect of all this. The history of civilisation is a history of public goods. The more complex the civilisation the greater the number of public goods that needed to be provided. Ours is far and away the most complex civilisation humanity has ever developed. So its need for public goods – and goods with public goods aspects, such as education and health – is extraordinarily large. The institutions that have historically provided public goods are states. But it is unclear whether today’s states can – or will be allowed to – provide the goods we now demand.
The story of public goods goes back to the very beginning of states, which were the result of the agricultural revolution. The latter made populations vulnerable to brigands – whom the late Mancur Olson called “roving bandits”. The answer was the “stationary bandit” – the state. It was not a perfect answer – answers almost never are. But it worked well enough to permit substantial increases in population. The state provided defence in return for taxation. The empires – Rome or China – enjoyed economies of scale in providing security. When Rome collapsed, security was privatised by local gangsters, at huge social cost: this we now call feudalism.
The industrial revolution expanded the activities of the state in innumerable ways. This was fundamentally because of the needs of the economy itself. Markets could not, on their own, provide an educated population or large-scale infrastructure, defend intellectual property, protect the environment and public health, and so on. Governments felt obliged – or delighted – to intervene, as suppliers and regulators, or subsidisers and taxers. In addition to this, the arrival of democracy increased the demand for redistribution, partly in response to the insecurity of workers. For all these reasons, the modern state, vastly more potent than any that existed before, has exploded in the range and scale of its activities. Will this be reversed? No. Does it work well? That is a good question.
Yet consider where we are now. The impact of humanity is, like the economy, increasingly global. Economic stability is a global public good. So, in the era of nuclear weapons, is security. So, in important respects, are control of organised crime, counterfeiting, piracy and, above all, pollution. So, even, is the supply of education or health. What happens anywhere affects everybody – and increasingly so. Unless there is a global economic collapse, an increasing number of the public goods demanded by our civilisation will be global or have global aspects.
Our states cannot supply them on their own. They need to co-operate. Traditionally, the least bad way of securing such co-operation is through some sort of leadership. The leader acts despite free riders. As a result, some global public goods have been adequately – if imperfectly – supplied. But as we move again into a multipolar era, the ability of any country to supply such leadership will be limited. Even in the unipolar days, it only worked where the hegemon wanted to provide the particular public good in question.
I started with economic stability, because the big surprise of the past few years is just how difficult it has proved to provide even this. The point I finish with is far broader. Ours is an ever more global civilisation that demands the provision of a wide range of public goods. The states on which humanity depends to provide these goods, from security to management of climate, are unpopular, overstretched and at odds. We need to think about how to manage such a world. It is going to take extraordinary creativity.
martin.wolf@ft.com



http://www.ft.com/intl/cms/s/0/517e31c8-45bd-11e1-93f1-00144feabdc0.html#axzz1kSgfSVNC

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