JPorfiro

Jose porfiro · @JPorfiro

9th Jan 2012 from Twitlonger

A política industrial do século XXI

Por David Kupfer

O caminho é conhecido: promover condições atrativas para os investimentos em capacidade produtiva e em inovação tecnológica.

Valor Econômico, 09-01-2012

Cientistas políticos gostam de debater se o início do século XXI ocorreu, de fato, em setembro de 2001, quando da queda das torres gêmeas (início da "Guerra ao Terror") ou se aconteceu bem antes, em novembro de 1989, quando da queda do muro de Berlim (o fim da "Guerra Fria"). Economistas parecem estar mais próximos de um consenso: o século XXI demorou mas chegou com grande estardalhaço em setembro de 2008, quando da queda da corretora Lehman Brothers, marco simbólico da grande crise internacional que desde então arrasta o planeta. Entre tantas quedas, a virulência da crise inaugural do século derrubou o mito de que a política econômica poderia se resumir à busca de estabilidade monetária e de um bom ambiente de negócios e recolocou a política industrial no centro das iniciativas governamentais em quase todos os países mundo afora.

Porém, da mesma forma que parece inquestionável que a política industrial está reconquistando a proeminência que exerceu na chamada era do ouro do capitalismo - os 25 anos do pós-2ª Guerra - é igualmente fora de dúvida que o seu arcabouço teórico e prático já não é mais o mesmo. Por essa razão, conceitos, objetivos, diretrizes, instrumentos, enfim, todo o aparato definidor da política industrial encontra-se em conformação aos novos parâmetros trazidos pelo século que se inicia, quais sejam, uma nova dinâmica macroeconômica internacional, um novo paradigma tecnológico e um novo perfil da empresa e da estrutura industrial.

Uma nova dinâmica macroeconômica, novo modelo tecnológico e um novo perfil da empresa e da estrutura industrial

No plano macroeconômico, especialmente para países produtores de commodities, como é sabidamente o caso do Brasil, o atual ciclo de preços favoráveis desses bens inverte a lógica tradicional do passado que condenava esses países a uma trajetória de crescimento restringido pelo balanço de pagamentos. Superar, ou adiar, as crises cambiais, que se tornavam inevitáveis após sucessivos anos de exportações de bens baratos e importações de bens caros, pode ser descartada pelos próximos anos como preocupação relevante para a política industrial. Analogamente, o maior ritmo de crescimento dos países emergentes em relação aos países desenvolvidos, consequência direta da crise de longa duração enfrentada pelos segundos, faz do emparelhamento da renda um processo já "encomendado", conferindo um maior peso aos objetivos distributivos e de "catching-up" tecnológico da política industrial, algo também marcadamente distinto do que prevaleceu anteriormente.

Se o quebra-cabeças trazido pela nova dinâmica da economia mundial já parece suficientemente intrincado, mais ainda é decifrar os impactos sobre a atividade manufatureira das profundas mudanças tecnológicas em curso nos produtos e nos processos produtivos. Particularmente, a antevisão sobre quais serão - ou já estão sendo - as implicações da prevalência de uma indústria cada vez mais "jobless" sobre o mercado de trabalho mostra ser esse um tema que deve motivar preocupação crescente da política industrial. Mesmo sabendo-se que, como já se imaginava há alguns anos, a saída se dará por meio do incremento das atividades de serviços de mais alta qualificação, também essas atividades estão tendendo a se tornar cada vez mais tecnificadas e automatizadas e, portanto, mais cedo ou mais tarde deverão exibir as suas limitações na geração de novos postos de trabalho.

Evidentemente, o sistema empresarial não poderia permanecer imune a mudanças econômicas e tecnológicas tão intensas. De fato, estão em curso transformações radicais nos perfis dos grupos empresariais em termos de áreas de atuação, estratégias de P&D, alianças tecnológicas, estratégias financeiras e, ainda, muito importante no terreno da política industrial, na dimensão do público-privado. Há uma nova divisão internacional do trabalho em construção que embute um sem número de riscos e, obviamente, de oportunidades, para os países que forem bem sucedidos na construção de novos padrões de especialização da estrutura produtiva, da pauta de comércio e do perfil do investimento direto externo.

Nesse contexto, a pergunta fundamental da política industrial permanece a de sempre: o que produzir, o que exportar, o que importar. As respostas agora é que são muito diferentes. Em condições ideais, o incremento do conteúdo local da produção nacional deveria ser uma consequência do sucesso da política industrial, um indicador de eficácia das ações e medidas tomadas. Mas nas condições reais do mundo industrial da atualidade, ainda mais diante do quadro de acirramento competitivo e do protecionismo adotado pela maioria dos países concorrentes do Brasil, as exigências de conteúdo local tornaram-se um meio para viabilizar a própria continuidade da atividade industrial.

O problema contemporâneo, diferentemente do passado, não é criar setores visando completar a matriz industrial nacional. No século XXI, o desafio é enraizar atividades produtivas fixando empresas, fornecedores e clientes no território nacional. O caminho para isso, embora trabalhoso e difícil, é conhecido: promover condições atrativas para os investimentos em capacidade produtiva e em inovação tecnológica.

David Kupfer é professor e membro do Grupo de Indústria e Competitividade do Instituto de Economia da UFRJ (GIC-IE/UFRJ) e assessor da presidência do BNDES. Escreve mensalmente às segundas-feiras. E-mail: gic@ie.ufrj.br)

www.ie.ufrj.br/gic

###################

Dúvidas sobre retomada americana

Por Alex Ribeiro | De Washington

A redução do desemprego e a melhora da produção industrial dos Estados Unidos, divulgados nos últimos dias, não formam um cenário de recuperação consistente no país, dizem analistas

Valor, 09-01-12

Os bons indicadores econômicos divulgados nos últimos dias não formam ainda um cenário consistente de recuperação da economia americana. Essa é a avaliação de analistas consultados pelo Valor sobre a redução da taxa de desemprego e a melhora da produção industrial, entre outros dados que surpreenderam favoravelmente.

Houve quem considerasse esses resultados razão suficiente para a previsão de que os EUA estariam entrando numa trajetória mais firme de recuperação. Mas os avanços são bastante frágeis e modestos, ante os estragos causados pela grande recessão, e a economia americana segue vulnerável à crise da zona do euro.

"O barulho excede a realidade", disse ao Valor Diane Swonk, economista-chefe da empresa de consultoria e gestão de ativos Mesirow Financial, apontada pela imprensa especializada americana como uma das analistas que mais acertam as previsões. "Os dados são bons, não são ótimos." O desemprego de 8,5% é o menor em três anos, mas Peter Morici, da Universidade de Maryland, pondera que boa parte da queda da taxa de desemprego nos últimos meses se deveu à redução da força de trabalho.

########

Recuperação da economia americana ainda é frágil
Por Alex Ribeiro | De Washington
Uma safra de bons indicadores econômicos divulgada nos últimos dias, incluindo sinais de retomada no mercado de trabalho, sugere que os Estados Unidos estão finalmente entrando numa trajetória mais sólida de recuperação. Mas os avanços ainda são bastante frágeis e modestos, ante os estragos causados pela Grande Recessão, e a economia americana segue vulnerável à crise da zona do euro.

"O barulho excede a realidade", disse ao Valor Diane Swonk, economista-chefe da Mesirow Financial, baseada em Chicago, apontada pela imprensa especializada americana como uma das analistas que mais acertam as suas previsões. "Os dados são bons, não são ótimos."

Os mais otimistas dizem que, finalmente, os Estados Unidos têm um punhado de boas estatísticas para exibir. A taxa de desemprego caiu de 8,7% para 8,5% entre novembro e dezembro, mostram dados divulgados na sexta-feira. Mais importante, foram criados 200 mil postos de trabalho no último mês. Os EUA precisam gerar pelo menos 125 mil vagas para absorver os jovens que entram no mercado de trabalho e manter uma trajetória de queda na taxa de desemprego.

Ampliar imagem

A produção industrial também emite sinais de recuperação, puxada pelas exportações. O chamado ISM, divulgado na semana passada, chegou a 55,1%, numa métrica em que qualquer número acima de 50% está no território positivo. O índice de confiança dos consumidores, divulgado em fins de dezembro, cravou 64,5%, alta de 9,3 pontos percentuais em relação ao mês anterior. As encomendas de bens duráveis subiram 3,8% em novembro, mais do que o previsto pelos analistas econômicos.

Essa não é a primeira vez que a economia americana dá sinais de engatar, por isso não está descartado o risco de falso alarme. Os EUA pareciam numa trajetória mais ou menos segura de recuperação em fins de 2010, mas voltou a patinar no começo do ano seguinte. No princípio, os economistas achavam que o mau desempenho se devia apenas a fatores conjunturais, como os efeitos do terremoto no Japão.

Diante do continuado desempenho medíocre, porém, o presidente do Fed (Federal Reserve, o banco central americano), Ben Bernanke, reconheceu em meados de 2011 que o crescimento da economia americana estava pior do que o esperado também devido a fatores estruturais, como a retração no consumo de famílias que procuravam reduzir dívidas.

As mais recentes estatísticas também têm os seus flancos, apesar de inegavelmente melhores do que o esperado. O desemprego de 8,5% é o menor em três anos, mas está muito acima da faixa de 5% a 5,5% em que o Fed acredita estar a taxa natural de desemprego. O economista Peter Morici, da Universidade de Maryland, pondera que boa parte da queda da taxa de desemprego nos últimos meses se deveu à redução da força de trabalho. "Há muitos adultos que não estão mais procurando empregos", disse Morici ao Valor. "Se essas pessoas seguissem na força de trabalho, a taxa de desemprego estaria na casa dos 10,5%." Alguns analistas têm apontado que, conforme as condições do mercado de trabalho melhorarem, mais gente voltará a procurar emprego, aumentando o desemprego.

O Instituto de Economia Política (EPI, na sigla em inglês), um conceituado centro de estudos de Washington, divulgou uma nota comemorando a aceleração na criação de empregos, mas lembrando que, na crise que afetou os Estados Unidos a partir de 2007, foram eliminados 10 milhões de empregos. "Mesmo com a taxa de crescimento do emprego de dezembro, levará cerca de sete anos para voltarmos ao nível pré-recessão."

Visto com lupa, dados como a retomada da confiança dos consumidores também não são tão brilhantes. "Os níveis de confiança do consumidor não são mais típicos de uma depressão, passaram agora a serem típicos de uma recessão", afirma Diane Swonk, da Mesirow Financial. "Estamos ainda muito longe dos níveis esperados para uma recuperação econômica normal."

A conclusão desse conjunto de números, afirma ela, é que os Estados Unidos estão melhores agora do que em grande parte do ano passado, mas a recuperação ainda é desigual e suscetível a choques externos, como um agravamento na crise europeia. Sua projeção é de um crescimento em torno de 2,5% em 2012, melhor do que a recessão de 1% esperada para a zona do euro, mas ainda assim insuficiente para os Estados Unidos se recuperarem do estrago causado pela Grande Recessão.

Morici, da Universidade de Maryland, afirma que os Estados Unidos seguem avançando modestamente apenas enquanto a recessão na Europa for moderada. "Se a recessão por lá for mais severa, provavelmente os Estados Unidos serão afetados."

#############

Esperando Godot: a crise da Europa e o Brasil em 2012

Por Marcelo Kfoury Muinhos e Leonardo Porto de Almeida

Cenário mais complicado para economia brasileira neste ano seria uma desaceleração mais pronunciada da China, a qual deprimiria o preço das commodities de forma mais intensa

VALOR

Uma conhecida anedota diz que previsões de economistas só servem para elevar a autoestima dos meteorologistas. Com o avanço da tecnologia de satélites e o desenvolvimento de poderosos computadores, permitindo previsões mais precisas dos movimentos das massas de ar, a comparação em prol das previsões meteorológicas tornou-se ainda mais convincente. Ao mesmo tempo, o aprofundamento da globalização comercial e financeira da economia brasileira nos últimos anos, tornando-a crescentemente mais dependente dos desdobramentos da economia mundial, dificultou substancialmente o trabalho de previsão dos macroeconomistas, intensificado atualmente pelo acirramento da crise de dívida soberana em alguns países europeus. Mesmo diante de tantas ressalvas, o que nós economistas podemos dizer sobre o cenário para a economia brasileira em 2012?

Aparentemente, a forte desaceleração da economia brasileira no 3º trimestre de 2011 foi causada pelas inúmeras ações de políticas econômicas implementadas ao longo do 1º semestre do ano com o propósito de conter o crescimento da demanda. Na verdade, tal episódio foi marcado por um quase inédito alinhamento das políticas fiscais, monetárias e creditícias, atuando com o objetivo comum de diminuir a demanda agregada, consequentemente, favorecendo o controle da inflação. Pelos resultados do Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre, parece razoável afirmar que o primeiro objetivo foi plenamente bem-sucedido, embora o segundo ainda esteja em fase de execução, dado o não encerramento do processo desinflacionário dos preços.

Incertezas do panorama global dificultam a construção do cenário econômico brasileiro de 2012

Por outro lado, seria ingenuidade acreditar que nenhuma parcela da atual desaceleração da economia tenha sido causada pelo recrudescimento da crise financeira europeia ou que esta não afetará o desempenho da economia brasileira nos próximos trimestres. Mesmo acreditando que o impacto da crise sobre o canal do comércio tenha sido limitado no terceiro trimestre (dado o crescimento das exportações), não há como desconsiderar os potenciais efeitos contracionistas sobre os investimentos e o consumo das famílias por meio de outros canais de transmissão, como a confiança do empresário ou mesmo via menor oferta de crédito à pessoa física.

Acerca do cenário europeu, acreditamos que haverá uma recessão de moderada a severa em 2012, com o PIB contraindo cerca de 1,2%, mas não contemplamos um evento de crise bancária generalizada como aquela ocorrida em 2008, ainda que não descartemos uma probabilidade de cerca de 25% da Grécia sair do bloco da zona do euro. No entanto, o que parece estar afligindo os mercados financeiros de forma mais intensa nas últimas semanas é o alto custo do financiamento da dívida soberana da Itália e da Espanha. Particularmente, tomando a atual relação dívida/PIB do governo da Itália de cerca de 120% e assumindo a taxa de juros atualmente precificada no mercado de 6,5%, seria necessário gerar superávits primários da ordem de 5,5% ao ano, cenário improvável de ser verificado. No entanto, se a Itália fizer um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e ou uma reforma fiscal suficientemente crível levando o mercado a cobrar juros por volta de 4% ao ano, o superávit primário que impediria a ascensão ininterrupta da relação dívida/PIB cairia para 2,4%, tornando factível do ponto de vista dos investidores.

Dentro dessa visão global de pessimismo moderado, acreditamos que o contágio sobre a economia brasileira deverá ser modesto, ainda mais após considerarmos os inúmeros instrumentos estabilizadores de política econômica já adotados e que deverão ser intensificados ao longo dos próximos meses. Isto é, a redução de 150 pontos da taxa Selic desde agosto e da provável continuidade do ciclo de queda de juros até 9,5% em abril de 2012, o afrouxamento em algumas das medidas macroprudenciais adotadas no final de 2010 juntamente com as já anunciadas isenções tributárias setoriais e com a elevação do salário mínimo em cerca de 14% em janeiro tendem a reverter o processo de desaceleração do crescimento econômico ilustrado no dado do PIB do terceiro trimestre.

Ampliar imagem

Tais condições não devem impedir alguns "soluços" ao longo dos próximos meses, tais como aumentos da inadimplência, diminuição da oferta de crédito por parte dos bancos, dificuldade das empresas em captar no exterior, todos estes impedindo um desempenho mais profícuo da atividade econômica. Porém, acreditamos que no segundo semestre de 2012 poderemos ter uma aceleração forte do crescimento com a economia crescendo perto de 5% ao ano em termos anualizados no fim de 2012. Na média, tal cenário implica uma projeção de crescimento do PIB de cerca de 3,3% neste ano, portanto, pouco superior aos 2,9% que estimamos para 2011.

Diante desse cenário de aceleração contínua do crescimento da economia em 2012, o maior risco é um recrudescimento da inflação ao longo do ano. Por ora, acreditamos em uma desaceleração da inflação até o segundo trimestre de 2012 para o patamar próximo de 5% no acumulado dos últimos doze meses, apresentando leve elevação a partir daí até 5,3%. Contudo, diante do excesso de estímulos acima mencionados, os riscos de a inflação superar tais estimativas e estabilizar em torno do patamar entre 5,5% e 6% são significativos. Nesse sentido, mesmo se o governo mantiver a disciplina fiscal, com superávit primário acima de 2,5% do PIB, não há como descartar o cenário no qual o BC reverteria a estratégia de política monetária, elevando a taxa de juros nominais.

A nosso ver, o cenário mais complicado seria uma desaceleração mais pronunciada da China ("hard landing"), que deprimiria os preços das commodities de forma mais intensa, dada a maior dificuldade de encontrar mercados para nossas exportações. Nesse cenário, a moeda brasileira sofreria maior desvalorização e teríamos um ajuste recessivo no nosso balanço de pagamentos. Nesse caso, o PIB cresceria em torno de 1% e a inflação poderia ficar ao redor da meta de 4,5%. Em geral, atribuímos uma probabilidade de 20% de ocorrência desse cenário alternativo.

A principal incerteza para 2012 reside nas incertezas do panorama global, em especial na atual crise soberana que acomete alguns países europeus. A depender da intensidade de resposta das autoridades, a economia global poderá enfrentar um cenário mais ou menos adverso com maior ou menor risco de uma segunda crise bancária global. Por ora, o que parece mais evidente, é que o Brasil ainda tem grande arsenal de instrumentos que poderão permitir o amortecimento dos efeitos contracionistas vindos da economia global. Na eventualidade do seu uso, que sejam utilizados com responsabilidade e racionalidade econômica.

Marcelo Kfoury Muinhos é economista-chefe do Citi Brasil, doutor em Economia pela Universidade de Cornell.

Leonardo Porto de Almeida é economista sênior do Citi e doutor em economia pela USP.

Reply · Report Post