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4th Jan 2012 from Twitlonger

Conjuntura Indústria deve ficar forte só no 2º semestre, diz Kupfer

Por João Villaverde | De Brasília

Apenas entre o fim deste ano e o início de 2013 é que a produção industrial vai atingir o nível em que deveria estar neste momento, diz o economista David Kupfer

Valor, 04-01-2012

A indústria brasileira vai fazer em dois anos o que poderia, e deveria, ter feito em um. Apenas entre o fim deste ano e o início de 2013 é que a produção industrial vai atingir o nível em que deveria estar neste momento. Essa é a avaliação do economista David Kupfer, professor da UFRJ e um dos principais especialistas em indústria do país. Além de sua posição de destaque no debate sobre o tema, no Brasil, Kupfer também assumiu, este mês, a função de assessor econômico do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Já está, desde ontem, trabalhando na sede do banco, no Rio de Janeiro, de onde falou, pela primeira vez depois de assumir o cargo, ao Valor.

"Já que assistimos a uma parada, um tranco, em 2011, vamos aproveitar 2012 para arrumar a casa, e, assim, dar condições para um crescimento forte em 2013. É fundamental que aproveitemos essa chance de reduzir o custo do capital, por meio dos cortes nas taxas de juros, e que a taxa de câmbio permaneça em patamares mais desvalorizados, como está hoje", afirma Kupfer, para quem o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano ficará próximo a 3,5%, resultado principalmente do consumo das famílias. "O consumo das famílias é o polo dinâmico da economia brasileira. É o que ocorre conosco, de maneira firme e sustentável, desde 2007, e será ainda mais verdade em 2012", diz.

Segundo Kupfer, o saldo comercial não precisa mais ser tão elevado. "Macroeconomicamente não precisamos de um saldo de US$ 30 bilhões", diz o economista, em referência ao superávit de US$ 29,8 bilhões registrado em 2011. "Podemos ter saldos de US$ 5 bilhões a US$ 8 bilhões por ano sem nenhum custo. Podemos ter uma balança comercial mais equilibrada, para irmos às compras de mais tecnologia e de mais empresas no exterior", diz. A seguir, os principais trechos da entrevista:

"O consumo das famílias é o polo dinâmico da economia brasileira. Vem sendo assim desde 2007"

Valor: Qual é o caminho da economia brasileira em 2012?

David Kupfer: O consumo das famílias é o polo dinâmico da economia brasileira. É o que ocorre conosco, de maneira firme e sustentável, desde 2007, e será ainda mais verdade em 2012. O consumo puxou o forte ciclo de investimentos na economia, que foi cortado com a crise mundial, no fim de 2008. O ano de 2010 foi um espasmo, e 2011 foi o lado contrário deste movimento, o antiespasmo. Mas isso pelo lado dos investimentos, porque o consumo das famílias continuou e continua forte, rigorosamente segurando a economia. A missão da indústria e dos investimentos, em 2012, será diferente daquela que terá o consumo, impulsionado pelo crédito, crescente, e pelo salário mínimo.

Valor: Que missão será esta?

Kupfer: Já que assistimos a uma parada, um tranco, em 2011, vamos aproveitar 2012 para arrumar a casa, e, assim, dar condições para um crescimento forte em 2013. É fundamental que aproveitemos essa chance de reduzir o custo do capital, por meio dos cortes nas taxas de juros, e que a taxa de câmbio permaneça em patamares mais desvalorizados, como está hoje. Isso dará condições para investimentos cruciais para 2012, que devem ser concentrados em infraestrutura. O que vai carregar 2012, em uma visão realista, é o investimento em portos, energia, petróleo e construção residencial. Se isso, que chamo de lição de casa, funcionar bem, com melhora mês a mês dos investimentos, que passarão a crescer acima do PIB, daremos um excelente sinal para 2013.

Valor: A indústria brasileira passou todo o ano de 2011 no centro da política econômica, com o programa Brasil Maior, as medidas protecionistas na indústria automobilísticas e os incentivos aos fabricantes de eletrodomésticos. A produção, ainda assim, foi menos de 1% maior que em 2010. O que ocorre?

Kupfer: A produção da indústria de transformação deve ter sido 0,7% ou 0,8% maior que em 2010. É muito pouco. A fraqueza da indústria vai continuar neste primeiro semestre, melhorando apenas a partir de junho ou julho. Vamos fazer em dois anos o que deveríamos fazer em um. O ano de 2011 não foi apenas ruim, mas foi o ano de reversão das expectativas, o que causa impacto também em 2012. A economia brasileira e a indústria em especial começou o ano passado se preparando para um PIB de 5%, e isso era o que efetivamente estava ocorrendo no primeiro trimestre. Tanto é que o governo continuou apertando as medidas macroprudenciais em abril, e a elevação dos juros foi até julho. Depois, tudo estourou.

Valor: Esse pé no freio, no entanto, não afetou a importação de insumos ou mesmo a contratação de trabalhadores?

Kupfer: Exatamente, o que é muito positivo. A economia brasileira não é propriamente importadora de bens finais, porque há um costume nacional de adquirir bens "made in Brazil". O que fazemos, e de maneira crescente, é a importação de bens semimanufaturados, de partes e peças para a produção. Aquela euforia de 2010 e começo de 2011 mudou de lado, rápida e pesadamente, e a indústria passou a desovar os estoques. Ainda estamos vivendo esse processo, isto é, não há grandes contratações, mas também as demissões estão descartadas, porque há uma aposta que o momento em que os estoques acabarem será justamente quando o PIB voltará a acelerar, no fim do primeiro semestre deste ano.

Valor: A contínua importação, por parte da própria indústria, então, é um bom sinal?

Kupfer: É claro que sim. Para constituirmos uma indústria avançada, forte e ramificada precisamos estar sempre na vanguarda da tecnologia e isso passa pela importação de conteúdo intermediário. Não podemos entender que toda a importação rouba a produção de um semelhante nacional. Se essa visão imediatista e egocêntrica predominar vamos acabar caindo em um protecionismo desvairado, que é a antipolítica industrial.

Valor: O que o sr. achou da decisão de elevar em 30 pontos percentuais o IPI para veículos com menos de 65% de conteúdo nacional?

Kupfer: A exigência de um patamar mínimo elevado de conteúdo local [como contrapartida para incentivos do governo] não deve ser um fim, mas um meio de atingir o verdadeira objetivo de qualquer política industrial eficiente, que é o de difundir investimentos maciços em inovação e novas tecnologias. É fundamental essa diferenciação. Mas é claro que certo patamar de conteúdo local precisa ser cobrado, de forma a incentivar a indústria nacional a se modernizar. As políticas recentes do governo têm isso, como o Brasil Maior.

Valor: Mas não seria importante ir além dos incentivos?

Kupfer: Sem dúvida. Os instrumentos utilizados são os mesmos que trabalhamos no PND II [Programa Nacional de Desenvolvimento II, lançado durante o governo de Ernesto Geisel, de 1974 a 1979, que fomentou a criação da indústria petroquímica nacional]. Isto é, incentivos tributários e de financiamento, aliado ao poder de compra do Estado, são importantes para criar novos setores, não para modernizar aqueles que aqui estão. Precisamos de uma nova geração de instrumentos em política industrial, algo que o Brasil é certamente capaz de fazer, visto que o mundo inteiro, depois da crise, passou a entender a importância de uma política industrial, e passou a procurar os especialistas brasileiros para discutir.

Valor: Esse intercâmbio internacional, portanto, deve se ampliar?

Kupfer: É algo que precisamos. Precisamos nos integrar internacionalmente de forma mais ampla. Não precisamos mais de grandes saldos comerciais, devemos nos aproveitar de uma menor premência do saldo.

Valor: Qual a referência?

Kupfer: Macroeconomicamente não precisamos de um saldo de US$ 30 bilhões. Podemos ter saldos de US$ 5 bilhões a US$ 8 bilhões por ano sem nenhum custo, porque contamos com enormes reservas internacionais [US$ 352 bilhões, segundo o Banco Central], que podem ser acionadas caso tenhamos qualquer problema. Podemos ter uma balança comercial mais equilibrada, para irmos às compras de mais tecnologia e de mais empresas no exterior. Seria uma forma, também, de abrirmos portas diplomáticas, para construção futura de superávits.

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