raquel_cinthia

cint's · @raquel_cinthia

6th Nov 2011 from Twitlonger


SOBRE A OCUPAÇÃO PELA PM DA USP:
Como ex-coordenador do CEUPES, Centro Acadêmico de Ciências Sociais, ex-diretor do DCE livre Alexandre Vanucchi Leme, e ex-coordenador da Associação de Pós-Graduandos da USP, aproveito o espaço para recobrar os anos vividos na Universidade de São Paulo e que, ao que parece, foram esquecidos por muitos.

No final do período ditatorial, ainda sob o governo de um presidente ilegítimo, estudantes, professores e funcionários da USP lutavam, conjuntamente, pela autonomia universitária, o que pressupunha liberdade de pensamento, de produção e também de administração da Instituição. Após décadas de controle policial sobre a Universidade, que incluiu o expurgo de seus mais ilustres quadros intelectuais, como Florestan Fernandes e tantos outros, que chegaram a ser presos dentro de sala de aula, me soa reacionária e anacrônica a postura do atual Reitor da Universidade de São Paulo que, como os últimos dirigentes da USP, não foi legitimamente escolhido pela comunidade, mas imposto pelo governador do estado de São Paulo, já que não foi o primeiro da lista tríplice.
No início do governo Sarney, sob a perspectiva de reconstitucionalização democrática do país, a USP, a UNICAMP e a UNESP se tornaram centro de um franco debate acerca da liberdade científica, de pensamento e de expressão. Propunha-se a autonomia universitária como único remédio contra os abusos policiais do Estado e em favor da liberdade de pensamento. Se, por um lado, indicava-se, no âmbito do Projeto GERES (Grupo Executivo de Reforma do Ensino Superior), liderado à época por José Goldemberg, Simon Schwartzman e Eunice Ribeiro Duhan, um modelo produtivista e tendencialmente privatista a ser implementado na Universidade, por outro existia uma franca oposição das comunidades universitárias, que exigiam autonomia, ampliação de vagas, aumento de professores, mais assistência estudantil e, principalmente, liberdade.
Com a subida do PMDB ao poder, em 1986, Quércia fechou um acordo com as comunidades universitárias das três Universidades paulistas, no sentido de garantir um percentual fixo do ICMS para o financiamento das Instituições e autonomia administrativo-financeira, em troca da garantia de manutenção de conselhos universitários com forte peso governista e das listas sêxtuplas e tríplices nos processos eleitorais de dirigentes, mantendo sob a batuta do governo a indicação do reitor. A eleição em dois turnos, pelo colegiado ampliado, e, depois, pelos órgãos centrais, presumia a eterna perpetuação conservadora da estrutura de poder na Universidade, como de fato ocorreu.
Goldemberg se tornaria Reitor, e súper Ministro (chegou a acumular 3 ministérios durante o governo Collor) e Eunice e Simon, seriam os mais fiéis escudeiros da política estadual e nacional de privatizações do ensino superior durante os anos do PSDB no poder.
A política de privatizações da produção das Universidades públicas se ampliou. As Fundações de direito privado, que captavam recursos da iniciativa privada e os aplicavam de acordo com os interesses particulares das empresas financiadoras, passaram a conduzir boa parcela da política acadêmica da USP. A FIPE, a FIA, a Fundação USP, a Zerbini, entre muitas outras, passaram a se responsabilizar por parte dos recursos aplicados em pesquisa e até se responsabilizaram pela complementação salarial para alguns professores e funcionários das áreas de ponta.
Paralelamente, foi iniciada uma profunda reforma administrativa na Universidade, que incluía a terceirização de serviços de baixa qualificação, como limpeza e segurança. A autonomia universitária presumia que a USP se responsabilizasse pela segurança interna de seus campi, assim, constituiu a Guarda Universitária, que fazia rondas, resguardava o patrimônio e inibia delitos e ilícitos. A criação da Guarda Universitária, entretanto, não foi suficiente para evitar que a PM entrasse nos campi e realizasse operações sem qualquer autorização do magnífico Reitor, desconsiderando a autonomia, conquistada a duras penas na constituinte estadual.
Após longos anos de luta incessante, os estudantes se fortaleceram e ficaram à frente do movimento contra a PM no Campus Butantã. Em todos os muros da cidade universitária se viam cartazes contra a PM no Campus. É bom lembrar que a Academia de Polícia está localizada na entrada da Cidade Universitária.
A luta se intensificou em conformidade com a calamidade econômica do governo Sarney. Na Unicamp os estudantes viraram um camburão da PM e o incendiaram. Quando os caminhões foram retirar os destroços do automóvel, os alunos impediram a ação, queriam deixar os destroços expostos para que as futuras gerações pudessem sempre se lembrar da luta contra a PM no Campus.
Na USP, finalmente, foi consolidada a posição contrária às operações da PM no Campus sem autorização expressa do Reitor. A Autonomia se fortalecia.
Não obstante, as terceirizações e a crise econômica levaram a uma contínua redução proporcional dos contingentes da Guarda Universitária. Guarda esta, desarmada, usada como elemento de dissuasão, sob uma política de segurança preventiva e não repressiva.
A ampliação da USP e a não ampliação da Guarda, ao lado do seu sucateamento técnico, levaram a uma escalada cada vez maior dos delitos dentro da Campus. A Reitoria não estava disposta a fazer empenhos de recursos cada vez maiores para garantir segurança, assim, permitiu a escalada da insegurança, o que abriu caminho para, a partir do recente caso de assassinato, retomar a relação entre a USP e a PM. Não tardou, obviamente, para que essa nova política, repressiva e não mais preventiva, criasse constrangimentos e produzisse violência.
O atual quadro da USP demonstra um erro profundo na condução da política de segurança interna e, pior, representa um retrocesso perigoso no tangente à restrição da autonomia universitária e da liberdade.
Lutar contra a PM no Campus não significa defender o ilícito, mas a liberdade e a não violência. Significa também exigir uma nova política interna de segurança que retome a perspectiva preventiva que, durante anos, foi mais eficaz que essa recente e anacrônica política repressiva. A PM certamente tem muito mais coisas a fazer fora do Campus, a violência na cidade de São Paulo atingiu níveis inaceitáveis. E a gloriosa Polícia Militar matou, segundo a imprensa de ontem, em cinco anos, mais pessoas que as polícias de todos os estados norte-americanos juntos. Esse, pelo visto, não é o caminho para uma sociedade mais justa, mais livre e com menos violência.
Todo o apoio aos estudantes. Quem tem memória não pode deixar de lembrar as décadas de luta pela liberdade e pela autonomia.
José Henrique Artigas de Godoy (doutor em ciência política pela USP e professor de Ciência Política do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba)

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