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Jose porfiro · @JPorfiro

30th Sep 2011 from Twitlonger

'Banco Central está no caminho certo', diz Figueiredo

Por Cristiano Romero | De Brasília

VALOR ECONÔMICO

Luiz Fernando Figueiredo, sócio da Mauá Sekular: Banco Central viu cenário mais pessimista antes do mercado
Ao surpreender o mercado com a redução da taxa de juros em agosto, o Banco Central (BC) se antecipou aos efeitos da crise financeira mundial e à desaceleração da economia brasileira, que, na margem, já pode estar crescendo algo entre 2% e 2,5% ao ano. O BC está sendo realista e adotando uma ação preventiva para evitar que a economia caia muito abaixo do seu potencial de crescimento.

A avaliação é de Luiz Fernando Figueiredo, sócio da gestora de recursos Mauá Sekular Investimentos e ex-diretor de Política Monetária do BC na gestão Armínio Fraga (1999-2003). Em entrevista ao Valor, ele afirmou que a ação do BC deve ser entendida no contexto de um mundo que vive "momento de anormalidade".

O economista, de formação ortodoxa, mencionou que, em 2001 e 2002, pressionado por choques diversos, o BC chegou a mudar mensalmente a meta ajustada de inflação. "Num período normal, o BC não faz isso. Agora, num período de anormalidade, em que há muitos choques, acaba fazendo."

Figueiredo fez questão de dizer que é contrário à adoção de barreiras comerciais, mas ressalvou que, desde a crise 2008, os Estados Unidos e a Alemanha, por exemplo, já impuseram mais barreiras que o Brasil. "O ideal é que ninguém faça isso, mas, infelizmente, o mundo está fazendo, então, de alguma maneira, você tem que se proteger."

Segundo Figueiredo, a crise lá fora é muito mais séria e longa do que vêm enxergando muitos analistas brasileiros. O BC, disse ele, entendeu isso desde o início do ano. "O choque de crédito que está ocorrendo no sistema financeiro europeu é de magnitude, em alguns casos, maior que o de 2008/2009", afirmou. "Mesmo que não haja um evento bancário, os bancos não têm capacidade hoje de emprestar dinheiro."

Embora apoie com entusiasmo a gestão de Alexandre Tombini no BC e acredite na promessa do governo de cumprir a meta cheia de superávit primário das contas públicas, Figueiredo criticou a manutenção da cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nas operações de derivativos. Segundo ele, o IOF criou uma assimetria e tornou o mercado totalmente disfuncional.

"O choque de crédito no sistema financeiro europeu é de magnitude maior que o de 2008/2009"

Valor: O BC reduziu os juros, mesmo com as expectativas apontando inflação acima da meta de 4,5%. Como o senhor avalia isso?

Luiz Fernando Figueiredo: O BC está no caminho correto.

Valor: Por quê?

Figueiredo: São três as razões. A primeira é relacionada à atividade econômica. Os dados estão sempre atrasados, mas os sinais mostram que a atividade está bastante mais fraca do que todo o mercado esperava. O BC estava com esse diagnóstico e, ao longo do tempo, isso está se revelando absolutamente verdadeiro.

Valor: Em que medida?

Figueiredo: O crescimento na margem já está entre 2% e 2,5% ao ano. O terceiro trimestre deve ter um crescimento bastante baixo.

Valor: Em quanto?

Figueiredo: É muito difícil dizer, mas, por exemplo, o IBC-Br [índice de atividade estimado pelo BC] pode dar um número negativo em agosto. No Relatório de Inflação divulgado ontem, o BC reduziu de 4% para 3,5% a projeção de alta do PIB em 2011. Isso não bate com esse cenário. O BC, em geral, muda suas projeções sem dar solavancos. Normalmente, vai migrando para uma direção. O que ele está dizendo é que é 3,5%, mas, com esse cenário externo, temos risco de ter uma desaceleração mais forte. O próprio Federal Reserve [o BC dos Estados Unidos], em sua última análise, projetou 1,9% de crescimento em 2011, com alto risco de ser mais baixo. Portanto, não colocou o número mais baixo, mas disse a direção.

"Os sinais mostram a atividade mais fraca do que todo o mercado esperava. O BC tinha esse diagnóstico"

Valor: O senhor citou três razões que motivam o BC. Qual é a segunda?

Figueiredo: A segunda é que existe um pessimismo muito grande por parte do mercado em relação à política fiscal. Essa política não só tem entregue até agora tudo o que prometeu, como também o governo tem deixado claro que fará o esforço fiscal de 3,1% do PIB neste e nos anos subsequentes. Isso faz uma diferença enorme em qualquer modelo de avaliação da inflação futura. O grosso do mercado usa uma premissa fiscal muito mais baixa. O BC só coloca essa premissa no modelo porque acredita nela. Se isso se modificar ao longo do tempo, o BC vai alterar a premissa no modelo. Eu acho que o governo está de fato indo na direção correta.

Valor: Por quê?

Figueiredo: Por duas razões. A primeira é que o governo está olhando para fora e está muito preocupado. Está entendendo que a crise tem origem fiscal. A crise gerou um endividamento tão grande dos países que, agora, eles não estão conseguindo digerir. O governo brasileiro já entendeu que o Brasil não pode ir nessa direção. O governo entendeu também que, mesmo que a crise se agrave, a variável de ajuste não deve ser a fiscal. Isso faz toda a diferença.

Valor: De que maneira?

Figueiredo: Entre estímulo fiscal e quase-fiscal dos bancos federais em 2008 e 2009, houve uma expansão ao redor de 5% do PIB naquele momento. Foi algo muito forte. Se o governo, no processo atual, cumprir um superávit próximo dos 3% do PIB, fará uma enorme diferença. A segunda razão é que Brasília entendeu que, se fizer um fiscal firme, consegue trazer a taxa de juros para um padrão mais próximo do padrão internacional de uma maneira mais permanente.

Valor: Por que isso não ocorreu em 2008/2009?

Figueiredo: Porque o estímulo fiscal foi muito forte, então, a queda dos juros se tornou um fenômeno temporário, em função da crise, tanto que o BC teve que subir bastante os juros depois.

Valor: Como confiar no governo se a proposta orçamentária de 2012 prevê desconto de investimentos do superávit?

Figueiredo: O ceticismo do mercado tem sua razão. A política fiscal no ano passado foi muito frouxa, mas vamos também olhar a realidade. No Brasil, o orçamento tem pouca relação com o que de fato acontece. Considerar, por exemplo, 5% de crescimento no ano que vem [como está no orçamento] é uma peça de ficção. Felizmente, o Brasil tem tido, desde 1999, uma história muito boa na área fiscal. É claro que a qualidade do ajuste é ruim porque houve muito aumento de gasto e de receita, mas o superávit foi sempre entregue. O cumprimento da meta foi feito sempre na boca do caixa. Isso gera desconfiança nos agentes, mas os sinais do BC, do próprio Luciano Coutinho [em relação ao crédito do BNDES], da presidente e do ministro da Fazenda são todos na direção de fortalecimento da situação fiscal. O ceticismo que o mercado exibia no início do ano no mínimo teria que ser menor hoje porque, na prática, o resultado fiscal tem sido cumprido até com sobra.

Valor: O senhor mencionou três razões para justificar a conduta do BC. Qual é a terceira?

Figueiredo: O mercado brasileiro tem olhado demais, embora menos agora, as variáveis internas e muito pouco as externas quando pensa em inflação, crescimento, etc. A reunião do FMI foi um marco para que as pessoas tivessem mais consciência de que a crise lá fora é muito séria e longa, diferentemente da que tivemos em 2008. O BC tem batido nessa tecla desde o início do ano e foi várias vezes criticado como se isso fosse uma aposta.

Valor: Não é? Reduziu os juros acreditando que a economia vai ter uma desaceleração que ainda não se materializou.

Figueiredo: Se pensarmos por um momento que a atividade já está desacelerando de uma maneira importante, com o cenário externo se agravando, a inflação de hoje é um indicador muito defasado. É como olhar pelo retrovisor porque a inflação de hoje é consequência da política monetária de nove meses atrás e da atividade econômica de, no mínimo, seis meses atrás, que estava em 4,5%. Se estamos falando que, na margem, a economia está crescendo 2%, 2,5%, daqui a quatro, seis meses, a inflação vai refletir essa nova atividade, que é uma abertura enorme do hiato do produto. Estaremos crescendo bem menos que o crescimento potencial do Brasil, então, isso abrirá espaço para que haja uma acomodação entre a demanda e a oferta, portanto, reduzindo a pressão da inflação.

Valor: Ocorre que o BC não consegue coordenar as expectativas de inflação desde meados do ano passado.

Figueiredo: Na verdade, o BC cometeu um erro no ano passado.

Valor: Qual?

Figueiredo: Ele parou o aumento de juros na segunda metade do ano, com o diagnóstico de que a economia estava mais fraca. O que o BC deste ano herdou foi um equívoco do ano passado, que, claro, reduz a sua credibilidade. Por outro lado, estamos vivendo um momento de anormalidade no mundo. Quando olhamos o comportamento dos bancos centrais, o BC brasileiro é considerado o mais duro. O banco central de Israel, cujo presidente é Stanley Fischer, um dos economistas de maior credibilidade do mundo, professor da grande maioria dos principais economistas do planeta, acabou de reduzir os juros. A meta de inflação de Israel é 1,5%, os juros estão em pouco mais de 3%, e ele os reduziu em 50 pontos-base [0,5 ponto percentual].

Valor: Fischer fez isso contra as expectativas do mercado, dando a entender que a ênfase agora é o crescimento. A ênfase, no caso do BC, também é o crescimento?

Figueiredo: A questão é que a inflação depende do crescimento. Se o crescimento é muito baixo, a inflação é baixa. Se é muito forte, acima do potencial, a inflação é alta. Quando o BC vê que o crescimento está indo para baixo, de forma intensa, como se tem uma defasagem de 9 a 12 meses, o ideal é que o BC seja preventivo, que se antecipe ao processo porque sabe que tem um espaço de tempo, que não é pequeno, para a política monetária ter efeito. Quando você está diante de uma inequívoca desaceleração, com risco para baixo, vindo de um choque da área econômica mais importante do mundo, dos países desenvolvidos, é natural que o BC procure se antecipar. Podemos discutir se deveria ter reduzido os juros em agosto ou esperado até outubro, mas a discussão mais relevante é se a trajetória do BC faz sentido ou não. Ao meu ver, faz todo o sentido. Ainda estamos num ambiente em que o risco é ter menos crescimento e não mais.

Valor: Há três dias, Tombini disse que o BC atingiria a meta de 4,5% em 2012. Hoje, o Relatório de Inflação diz que a meta só será alcançada em 2013. Ontem, em Curitiba, ele afirmou que o IPCA cai 1,5 ponto, no acumulado de 12 meses, até abril ou maio do ano que vem. Na terça-feira, declarou no Senado que cairia 2 pontos. Como o senhor vê essas contradições num espaço tão curto de tempo? Elas não comprometem a credibilidade?

Figueiredo: Não acho que comprometam. O BC não toma uma decisão por ano. Faz isso a cada 45 dias e, na verdade, deveria ser a cada mês. O RI mostra que estamos não em 4,5% [em 2012], mas um pouco acima, mas com um risco enorme, vindo desse ambiente internacional que acabei de descrever, de ter um choque muito maior para baixo no crescimento, o que vai trazer a inflação para baixo. O modelo usado pelo BC dá a direção, mas as condições é que vão mostrar a realidade. De novo: não podemos tratar o momento atual como algo normal. As variáveis estão mudando numa velocidade muito grande. De dois meses para cá, praticamente nenhum indicador, nem mesmo os antecedentes, conseguiu capturar o que estamos vivendo. O choque de crédito que está ocorrendo no sistema financeiro europeu é de magnitude, em alguns casos, maior do que o de 2008/2009.

Valor: De que forma?

Figueiredo: Mesmo que não haja um evento bancário, os bancos não têm capacidade hoje de emprestar dinheiro. Em setembro, mês importantíssimo para a rolagem de dívida corporativa, soberana, etc., praticamente não tivemos rolagem. Isso reduz fortemente não só a confiança, mas as condições das empresas de continuar expandindo. Todos os índices de confiança estão muito para baixo, muitos já apontando recessão tanto na Europa quanto nos EUA. É um ambiente anormal que tem que ser tratado como tal. Na minha avaliação, é o que o BC está fazendo.

Valor: O BC não estaria abandonando o regime de metas?

Figueiredo: Não dá para inferir isso. Não acredito. No meu último ano e meio [2001 e 2002] no BC, a economia brasileira esteve debaixo de um choque enorme, tinha a questão das eleições. Tínhamos uma meta de inflação ajustada que mudávamos mensalmente, dada a quantidade de choques. Num período normal, o BC não faz isso. Agora, num período de anormalidade, em que há muitos choques, acaba fazendo.

Valor: O BC não ganharia credibilidade se ajustasse logo a meta?

Figueiredo: Acho que não. Na questão da atividade econômica, o mercado está começando a corroborar a visão do BC. Na fiscal, vamos ter que ver o desempenho do governo ao longo do tempo. Sem dúvida, o governo poderia ser muito mais explícito do que foi, há um trabalho a ser feito para deixar mais claro que é nessa direção que estamos indo. Em terceiro lugar, o mercado também está convergindo para o cenário mais negativo lá fora e que afeta a economia brasileira. O BC colocou no Relatório de Inflação uma frase que está sendo bem-vista pelo mercado e que reflete bem a cabeça deles hoje - "O Copom entende que, ao tempestivamente, mitigar os efeitos vindos de um ambiente global mais restritivo, ajustes moderados no nível geral da taxa básica são consistentes com o cenário de convergência". Está dizendo que se antecipou, mas que não vai acelerar a queda de juros. Com isso, o BC tirou um pouco aquela coisa de que está doido para reduzir os juros. Vai fazer isso à medida que sinta conforto. Na minha opinião, o risco de o BC acelerar a queda na próxima reunião ou na seguinte não é baixo.

Valor: O governo adotou uma série de medidas no mercado de câmbio que fizeram alguns analistas considerar que o Brasil não tem mais um regime de câmbio flutuante, mas, sim, de câmbio administrado. O senhor concorda com isso?

Figueiredo: Tenho críticas principalmente ao IOF sobre derivativos. O objetivo está certo, que é reduzir a alavancagem do sistema no real. Para esse objetivo, eles poderiam ter adotado medidas que não tornassem o mercado de câmbio absolutamente disfuncional. O real se desvalorizou muito mais que outras moedas por causa disso e também pelo fato de o país ter sido escolhido como opção de investimento, então, sofre mais agora. Mas hoje há uma assimetria. Aquele que pode tomar posição de venda de dólar e compra de real tem um ônus importante quando toma a decisão, então, é difícil que ele faça isso. O mercado acaba indo mais numa direção. De qualquer maneira, sou obrigado a insistir: não vivemos num ambiente normal. Veja o que a Suíça fez.

Valor: O senhor acha, então, que mesmo no mercado cambial era preciso fazer algo?

Figueiredo: Estávamos tendo um fluxo absolutamente gigantesco e anormal para o Brasil, com vários efeitos colaterais. Mitigar o volume de fluxos está certo. Por exemplo, sou absolutamente contra a imposição de barreiras comerciais. Agora, quando o governo adotou o imposto sobre importação, saiu uma estatística mostrando que, de 2008 para cá, o Brasil adotou 76 barreiras diferentes. Os EUA adotaram 93 e a Alemanha, algo similar. O ideal é que ninguém faça isso, mas, infelizmente, o mundo está fazendo, então, de alguma maneira, você tem que se proteger.

Valor: O senhor iniciou, como diretor do BC, as operações de swap no mercado futuro. Agora, para tornar o mercado mais funcional, continuaria vendendo swap ou, diante da saída de recursos do país, venderia reservas?

Figueiredo: A primeira coisa a ser feita é tornar o mercado mais funcional, ou seja, tirar o IOF dos derivativos já. A segunda é continuar fazendo swap até no mínimo zerar o volume de swaps em aberto, que é algo entre US$ 4 bilhões e US$ 5 bilhões. E, depois, se for o caso, usar reservas. Há três meses, as posições mais de curto prazo de estrangeiros na BM&F eram US$ 24 bilhões. Elas se reduziram para menos de US$ 3 bilhões. Houve um processo de desalavancagem muito grande nesse período, o que torna o mercado tecnicamente muito mais equilibrado, embora ainda totalmente disfuncional.

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