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30th Sep 2011 from Twitlonger

É preciso superar dogmas
Por Diego Viana | De São Paulo

VALOR ECONÔMICO, 30-09-2011

O cabo-de-guerra em torno da crise segue empatado. Por um lado, as dívidas soberanas na Europa claramente em níveis impagáveis e o bloqueio de políticas de estímulo nos EUA são um incentivo irresistível para quem pretende culpar a política e os governos pelas tormentas nos mercados. Por outro lado, a sucessão de fraudes no mercado financeiro americano, que levaram à quebra de grandes bancos e à intervenção em outros, puseram os holofotes sobre as práticas pouco elogiáveis de um mercado financeiro desregulado, numa crítica que o oscarizado documentário "Trabalho Interno" levou ao grande público.
Se não é fácil decidir entre culpar os governos e culpar os mercados, há economistas que propõem superar o impasse culpando os dois. "Os problemas da economia têm adquirido um caráter cada vez mais político e institucional, mas os economistas têm avançado muito lentamente no entendimento desses aspectos", diz o economista inglês Geoffrey Hodgson, da Universidade de Hertfordshire, autor de "Economia e Instituições" e editor do periódico "Journal of Institutional Economics".

"Temos de entender que qualquer mercado só pode existir dentro de uma moldura regulatória", diz o economista James Galbraith

Os vilões da crise são numerosos e não necessariamente econômicos, na avaliação de Hodgson e de outros institucionalistas, como o coreano Ha-Joon Chang, professor da Universidade de Cambridge. "Temos operado numa dicotomia entre o Estado e o mercado. Isso é muito redutor, porque mercados funcionais precisam de Estados funcionais e vice-versa", diz ele. Autor de "23 Things They Don't Tell You About Capitalism", previsto para ser lançado no Brasil pela Cultrix, Chang observa que, ao "conseguirmos entender a diversidade e a complementaridade das instituições, incluindo o Estado e o mercado, estaremos menos expostos a dogmas extremistas e poderemos conduzir políticas mais pragmáticas".
Para esses economistas, a compreensão das instituições é prerrequisito para propor soluções. Ou seja, a retomada do crescimento exige o desarme das armadilhas que levaram às dificuldades atuais. "A crise vai prosseguir por alguns anos, e com a estagnação e o desemprego, as forças que conduzem à reforma do sistema vão crescer", afirma Chang.
Hodgson assinala que elementos externos à economia, como fraudes em contratos, rigidez ideológica e impasses políticos têm fortes implicações econômicas. Por isso, economistas como Chang e Hodgson tentam construir suas análises incorporando elementos emprestados de outras disciplinas. "Precisamos olhar mais para o mundo real", argumenta Hodgson, que está no Brasil para uma série de palestras no Rio e em São Paulo. Ele busca estreitar os laços com acadêmicos de outras disciplinas. "Para entender com mais realismo o funcionamento dos mercados, temos de entender como funcionam as instituições do mercado, e isso só é possível com um olhar histórico."
Para os economistas Geoffrey Hodgson (foto) e James K. Galbraith, é preciso entender como funcionam as instituições do mercado

Para ele, o problema é global e inclui instituições bancárias, regulações financeiras e a crise política na União Europeia, que deixa as autoridades patinando. "No caso europeu, o problema institucional é reforçar os fundamentos políticos da zona do euro, antes que ela se desintegre." Não é uma questão de mudanças na política monetária ou fiscal, mas de cultura institucional.
O aspecto institucional das crises financeiras é exemplificado por Jonathan Nitzan, da Universidade de York, no Canadá. Autor (com Shimshon Bichler) de "Capital as Power", ele tenta entender como os fluxos de capitais se traduzem no funcionamento da política. Nitzan sugere um olhar sobre o passado para procurar propor saídas para a superação da crise atual. Os grandes ciclos de baixa, diz, terminaram com altas muito fortes.
Mas não basta essa constatação para trazer ventos de otimismo. Os ciclos de alta não acontecem por conta própria, como se a economia se cansasse da estagnação. Todas as viradas, segundo o economista, são pontuadas por grandes mudanças institucionais. No início do século XX, um longo período de baixa foi superado com a passagem do capitalismo do século XIX, marcado pela atuação de grandes pioneiros conhecidos como "robber barons", como John D. Rockefeller e J. P. Morgan, para o capitalismo de companhias anônimas do século XX. A Grande Depressão, que se seguiu à segunda-feira negra de setembro de 1929, foi superada ao fim da Segunda Guerra, com o advento do Estado-previdência. Trinta anos depois, a derrubada desse sistema proporcionou a superação de um período de baixa que atravessou parte da década de 1970.

"Os governos são fracos e os governantes são medíocres. Não temos um Churchill, um Roosevelt", afirma Basília Aguirre

Uma mudança parecida teria de ocorrer agora para que os mercados possam voltar a apontar para cima. Seria o caso de perguntar: alguma transformação dessa ordem está se preparando? Aparentemente não, responde Basília Aguirre, professora de economia institucional da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo. "Talvez a situação até piore. Os governos são fracos e os governantes, medíocres. Não temos um [Winston] Churchill, um [Franklin] Roosevelt, nada disso."
Na mesma linha, nem Chang, nem Nitzan, nem Hodgson creem na eficácia das medidas adotadas pelo governo de Barack Obama nos EUA, nem nas promessas europeias de aproximação fiscal. A principal fonte de mudanças institucionais, conforme assinala James K. Galbraith, economista da Universidade do Texas, é a flutuação das relações de poder. Galbraith cita como sua frase favorita no livro "A Riqueza das Nações", de Adam Smith, um trecho que diz: "Riqueza é poder, como diz [Thomas] Hobbes". Mesmo depois da aprovação da lei de regulamentação financeira nos EUA, em 2010 (conhecida como Frank-Dodd), as práticas institucionais em Wall Street não mudaram significativamente, diz Galbraith.
O economista busca construir explicações para o colapso financeiro de 2008 por meio da análise das práticas contratuais no mercado imobiliário americano, onde a bolha especulativa estourou e contaminou todo o sistema. "Quando olhamos alguns contratos de hipoteca que foram feitos antes da crise dos subprimes, a dúvida que surge é se aquilo é mesmo uma hipoteca." Para Galbraith, as fraudes em contratos, "prática corrente em Wall Street antes da crise e talvez até hoje", não são apenas uma questão moral ou legal.
"A corrupção e o colapso da legalidade na esfera das finanças não têm conserto. Não se pode mais crer que haja um verdadeiro mercado nessa esfera." Ao dizer que não há um verdadeiro mercado, Galbraith argumenta que, sem um arcabouço institucional sólido, é impossível agir racionalmente, como a teoria econômica espera dos agentes. Basília cita também a manipulação de estatísticas oficiais na Grécia, que permitiu ao país entrar na zona do euro apesar de manter déficits acima do permitido. "A população não tem como saber que o país está se endividando", diz ela.

"Temos de entender que qualquer mercado só pode existir dentro de uma moldura regulatória", observa Galbraith. Essa moldura não coincide com o Estado, nem se opõe a ele, o que invalida a dicotomia entre Estado e mercado, criticada por Chang. "Um e outro são artefatos da vida pública."

"Os problemas da economia têm adquirido um caráter cada vez mais político e institucional", diz Geoffrey Hodgson

Galbraith diz que economistas são treinados para crer que a diferença entre um país desenvolvido e um país em desenvolvimento está no estoque de capital e na tecnologia. A explicação, para ele, é outra. "Se alguém é atropelado nos EUA, a ambulância chega em dois minutos, o que não é verdade na China", diz o economista, casado com uma chinesa. "Pode-se confiar na alface comprada no supermercado americano, mas não no chinês. Os chineses ricos compram alface importada da Califórnia." A conclusão é que o desenvolvimento é fruto das molduras institucionais, "senão, a insegurança leva as pessoas a gastarem muito esforço e tempo se ajustando".
No âmbito global, uma possível solução para o impasse institucional seria o fortalecimento de organizações multilaterais, que instaurariam um ambiente de negociações para resolver crises como a europeia. A guinada no modo de atuação do Fundo Monetário Internacional (FMI) sob Dominique Strauss-Kahn e Christine Lagarde é citada como exemplo de movimento por Galbraith, embora tímido. Para ele, o FMI perdeu a capacidade de estabilização com a derrocada do sistema de Bretton Woods, nos anos 1970, e se tornou um fantoche das maiores potências desde então.
Christine Lagarde e o ministro das Finanças de Cingapura, Tharman Shanmugaratnam, durante o encontro anual do FMI, na semana passada
Aumentar o peso do G-20, como deseja o governo brasileiro, talvez seja igualmente inócuo. Segundo Basília Aguirre, poderia acontecer à organização algo como o que acontece, hoje, na Europa, em que um dos países (a Alemanha) pode emperrar todos os processos se não concordar com as propostas. "A China, por exemplo, não quer colaborar com ninguém, só garantir seu próprio desenvolvimento", diz a professora. "Com os EUA em crise e a Europa incapaz de se entender, como podemos esperar alguma coisa de organizações multilaterais?" Para Basília, um dos principais problemas da economia internacional, hoje, é a necessidade de cooperação entre os Estados. Mas os economistas ainda tentam explicar como se produz a cooperação. A teoria econômica supõe primeiro que cada um busque o melhor para si. "Mesmo que tenham interesses comuns - todos querem acabar com a crise -, para cada um o mais importante é conseguir se beneficiar dela."
Enquanto a Europa e os EUA sofrem com a paralisia institucional, a crise se aprofunda. Cortes de gastos sociais e aumentos de impostos são enfrentados por protestos e confrontos com a polícia. "Acredito que essa crise vai ter uma trajetória parecida com a luta do Brasil contra a inflação", diz Basília. "Vai ser preciso chegar a um ponto em que ninguém mais aguenta. Que ponto é esse, ninguém sabe."

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