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16th Sep 2011 from Twitlonger

O primeiro Benjamin

Primeiros textos de Walter Benjamin são publicados no Brasil em edição comentada, fechando lacuna no estudo do pensador alemão


Por Diego Viana | De São Paulo

Valor Econômico, Cultura e Fim de Semana, 16-09-2011

Ampliar imagemWalter Benjamin navegou em diversos campos de pensamento, sem se fixar em dogmas; na página ao lado, a tela "Angelus Novus", de Paul Klee, que inspirou sua ideia do "anjo da história".
O recém-lançado livro "Walter Benjamin: Escritos sobre Mito e Linguagem (1915-1921)" (Editora 34, 231 págs., R$ 37,00) tem como missão anunciada fechar uma lacuna. Apesar da influência de que goza o pensador alemão no Brasil (e na América Latina), seus textos de juventude jamais foram publicados sistematicamente no país. Organizado por Jeanne-Marie Gagnebin, professora de filosofia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e de teoria literária na Universidade de Campinas (Unicamp), o livro reúne desde o ensaio escrito aos 23 anos sobre "Dois Poemas de Friedrich Hölderlin" (1915) até "Para uma Crítica da Violência" (1921), que confronta os mitos de origem da ordem política na versão teológica e na jurídica.
Benjamin é um nome de destaque entre as referências da filosofia e da crítica cultural no Brasil. O filósofo Leandro Konder, autor de "Walter Benjamin: o Marxismo da Melancolia", aponta que os escritos do autor, embora não tematizassem diretamente o conceito marxiano de práxis, apontavam justamente para ela: a ação sobre o mundo real. Márcio Seligman-Silva, crítico literário da Unicamp e autor de "A Atualidade de Walter Benjamin e de Theodor W. Adorno", aponta Benjamin como um pensador fundamental para pensar as catástrofes que marcaram o século XX.
O véu que cobria a produção do jovem Benjamin não é privilégio brasileiro, segundo Jeanne-Marie. Fora da Alemanha, em qualquer outro país o quadro é semelhante. A filósofa aponta que os textos do período são menos acessíveis do que os posteriores, porque foram escritos não necessariamente visando à publicação, mas para dialogar com alguns poucos interlocutores privilegiados. Entre eles, o amigo Gershom Scholem, especialista na exegese de textos místicos judaicos, com suas "49 camadas de sentido", na expressão do próprio Benjamin. Por isso, "o estilo é elíptico e denso, beirando o esotérico", diz a organizadora. "Em segundo lugar, são textos altamente metafísicos, redigidos antes do período de crescente interesse pelo marxismo e pela transformação da percepção."
Theodor Adorno, filósofo marxista alemão que foi amigo de Benjamin e um dos líderes da célebre Escola de Frankfurt, escreveu um "Retrato de Walter Benjamin", em que diz que "a fascinação que exerciam sua pessoa e sua obra não deixam alternativa, senão a atração magnética ou a repulsão horrorizada. Pelo poder de suas palavras, tudo que ele tocava se tornava radioativo". Adorno celebra a capacidade de Benjamin de romper com as distinções aceitas correntemente e descobrir o que essas distinções escondem.
Sobre "Para uma Crítica da Violência", Jeanne-Marie diz que "Benjamin se esforça em mostrar que o edifício do direito é um resto do pensamento que aprisiona o homem na clausura do destino, ou, variante moderna do direito, da culpa". Mesmo naquele momento, e apesar do estilo difícil e não convencional, o jovem autor não passou em brancas nuvens. Segundo o filósofo italiano Giorgio Agamben, no livro "Estado de Exceção", o jurista Carl Schmitt baseou sua teoria da soberania na tentativa de responder à crítica da violência de Benjamin - crítica, como assinala a organizadora, no sentido etimológico de "distinguir". A distinção central no texto opõe o "poder-como-violência", associado ao Estado, e a "violência-como-poder", associada à resistência.
"Schmitt, pelo contrário, quer pensar o direito como um domínio de saber/poder capaz de integrar toda e qualquer exceção na clausura jurídica", completa Jeanne-Marie. O oponente de Benjamin, poucos anos mais tarde, seria tomado de simpatias pelo regime nazista na Alemanha e se esforçaria para justificar, teórica e juridicamente, a ordem política instalada por Hitler.
O teor de "Para uma Crítica da Violência" foi retomado também pelo francês Jacques Derrida, em "Força de Lei", revelando o alcance de uma reflexão cujo pano de fundo foi a derrota da liga espartaquista dos líderes comunistas Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, assassinados em Berlim em 1919. Mas como sempre ocorre com Benjamin, a reflexão não se esgota em uma única temática. Segundo Jeanne-Marie, mesmo os escritos de profundo alcance político, como esse, "são antes de tudo textos de confrontação com a tradição filosófica e poética sobre a linguagem, em particular com o romantismo alemão de Jena [ligado ao hegelianismo] e a teoria estética de Goethe".
O fascínio que Benjamin exerce até hoje, mais de 70 anos depois de sua morte em Port Bou, Espanha, decorre tanto daquilo que ele foi quanto do que não foi. Formado na confluência de duas sólidas tradições de pensamento, o judaísmo cabalístico e a filosofia alemã, o filósofo transitou, sem criar raízes, nos mais diversos campos da teoria de seu tempo. Sua tese de livre-docência, "A Origem do Drama Barroco Alemão", foi rejeitada pela Universidade de Frankfurt; sua escrita estava à margem das formas aceitas pela academia. Segundo Adorno, Benjamin jamais chegou a fazer o esforço necessário para se adequar e ser aceito.
Ao longo de sua curta vida, o pensador mergulhou na tradição teológica judaica e no materialismo dialético. Concentrou atenção ora na crítica literária, ora na reflexão filosófica, ora na observação social. Tradutor de Marcel Proust para o alemão, escreveu também textos influentes sobre a literatura de Goethe (sobretudo o ensaio sobre o romance "As Afinidades Eletivas"), o impacto cultural do cinematógrafo ("A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica") e o sentido político da história. Nas "20 Teses sobre a História", parte da pintura "Angelus Novus", de Paul Klee, para descrever o anjo da História como voando para longe com o olhar para trás, sobre os escombros do passado: uma negação do mito do progresso.
Quando a ascensão do nazismo na sua Alemanha natal se revelou irreversível, teve a chance de escapar para Moscou, onde provavelmente seria levado a tornar-se um autor comunista; para a Palestina (Israel ainda não existia como país), onde talvez se tornasse um autor judaico, especialista na Cabala como o amigo Scholem, que o convidou e já morava lá desde 1923; ou ainda para Nova York, onde já viviam Max Horkheimer e Adorno, tocando o Instituto de Pesquisa Social transferido para os EUA em 1934 (a sede original era em Frankfurt, daí o epíteto Escola de Frankfurt) para escapar à fúria de Hitler. Também o Brasil, pela Universidade de São Paulo, lhe ofereceu abrigo, mas a carta-convite extraviou-se na confusão da invasão nazista.
No entanto, Benjamin permaneceu até o último momento em Paris, tentando terminar seu projeto do "Livro das Passagens", acumulando citações e comentários a textos de todas as origens sobre o século XIX parisiense. Mas as tropas da Wehrmacht, avançando pela Bélgica, foram mais velozes. Benjamin, autor de origem judaica e inclinação para o comunismo, seria uma vítima preferencial para a sanha destruidora dos nazistas. Mal teve tempo de escapar de Paris antes da ocupação e chegar à fronteira espanhola. Quando ouviu o rumor de que o visto de entrada lhe seria negado, tomou uma overdose de morfina em seu quarto de hotel e morreu em 26 de setembro de 1940.

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