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19th Aug 2011 from Twitlonger

Funcionará mesmo essa nova política industrial?

Rodrigo L. Medeiros

Gastos com as despesas financeiras ultrapassaram os 5% do PIB, mais do que com educação.

Valor Econômico › Impresso › Opinião - 19/08/2011


O pacote de medidas do Plano Brasil Maior pode ao final se mostrar tímido e bem aquém dos desafios enfrentados pela indústria


Pode-se dizer que é muito cedo para avaliar as chances de sucesso da nova política industrial lançada pelo governo brasileiro? Segundo Lionel Robbins (1898-1984), previsões quantitativas em economia, como todos sabem, não são confiáveis. Sistemas econômicos raramente funcionam na prática como previsto na teoria.
Em que pesem as incertezas do futuro próximo, alguns sinais apontam para o insucesso da nova política industrial brasileira. Afinal, alguém sensato acredita ser possível resolver questões macroeconômicas com medidas de estímulo no plano micro? O Plano Brasil Maior parece seguir essa crença.

Há dados apontando para os estragos do real sobrevalorizado - The Economist, Fundo Monetário Internacional (FMI), Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o Banco para Compensações Internacionais (BIS).

No plano nacional, poucos industriais acreditam que seja possível absorver, com ganhos de produtividade e eficiência, a descida do câmbio abaixo dos R$ 2,30. Uma apreciação cambial do real superior a 30% nos últimos anos dificilmente pode ser compensada com medidas microeconômicas. A conta corrente do balanço de pagamentos brasileiro iniciou seu processo de deterioração para o saldo negativo em 2008 e quando eclodiu a crise, o Banco Central elevou rapidamente a taxa básica de juros por conta das incertezas globais.

Projeções do FMI apontam para um déficit de 3,62% do PIB nas transações correntes em 2014. O relatório Focus, do Banco Central, de 29 de julho, por sua vez, aponta para déficits nas transações correntes em 2011 e 2012 que não conseguirão ser cobertos pelo investimento estrangeiro direto. Para o câmbio médio dos períodos, as projeções de "mercado" são de R$ 1,59 (2011) e R$ 1,64 (2012).

O pacote de medidas pode ao final se mostrar tímido e aquém dos desafios enfrentados pela indústria do país

John M. Keynes (1883-1946) foi o primeiro a reconhecer e afirmar claramente que uma moeda apreciada seria uma moeda fraca. Conforme ironizou Keynes (1936), "a sabedoria universal indica ser melhor para a reputação fracassar junto com o mercado do que vencer contra ele". Será esse o caminho escolhido pelo Estado brasileiro e seus governantes?

A sondagem especial da CNI, edição de agosto, aponta para o fato de que quase a metade das empresas exportadoras perdeu participação no exterior. Essas empresas acumulam estoques indesejados, acima do usual, e estão menos otimistas do que as empresas não exportadoras. A participação das exportações no faturamento da indústria vem diminuindo e deve reduzir-se ainda mais em 2011.

Segundo a CNI, "as empresas exportadoras estão mais expostas à competição, tendem a ser mais inovadoras e disseminam ganhos de competitividade no mercado doméstico". Entre 2000 e 2005, gastou-se no Brasil em pesquisa e desenvolvimento (P&D) o equivalente a 1% do PIB. Nos EUA, esse montante chegou aos 2,7% do PIB para o mesmo período. A China, por sua vez, investiu nesse mesmo período 1,4% do seu PIB, o Japão 3,1% do PIB e a Coreia do Sul, 2,6% do PIB.

Em 2010, gastou-se no Brasil 44% do Orçamento Geral da União com o pagamento de juros, amortizações e refinanciamento da dívida, enquanto setores-chave como saneamento básico, transportes, urbanismo e cultura não chegam a ter 1%. Gastos com as despesas financeiras ultrapassaram os 5% do PIB, valor superior ao gasto público com educação. O Brasil vem sendo desde 1994, invariavelmente, o campeão mundial de juros real e, segundo informações do Ministério do Desenvolvimento, entre 1994 e 2010 houve um salto de 24,88% para 44,58% na participação de produtos básicos (commodities) na pauta exportadora brasileira. Manufaturados tiveram sua participação reduzida de 57,86% para 39,40%.

Conforme apontou recentemente o professor Luiz C. Bresser-Pereira, cerca de 30% dos preços são formalmente indexados, gerando impactos difusos na inflação inercial. Ele se referiu basicamente aos preços dos contratos de concessão dos serviços públicos. Existe ambiente político e vontade para se trabalhar essa questão? Será possível iniciar nova rodada de desindexação da economia brasileira, que deve começar pelos títulos públicos, passar pelos preços administrados e só por último chegar aos reajustes de trabalhadores e aposentados, eliminando assim os resíduos de inflação inercial?

O governo brasileiro poderia combater a inflação de commodities a partir de estoques reguladores dos produtos que afetam a cesta básica? Por que não pensar também na possibilidade de extinção da Lei Kandir, incluindo a contrapartida dos estados do fim da cobrança de ICMS sobre alguns alimentos de primeira necessidade? Essa medida provavelmente seria muito positiva para as finanças dos estados; ela ainda teria efeitos positivos na reversão do processo de desindustrialização.

Há outra questão delicada e que vem sendo evitada pelo governo brasileiro. "A questão do controle de capitais é um problema técnico, e não uma visão ideológica", afirmou Olivier Blanchard (2011), o economista-chefe do Fundo Monetário Internacional.

Afinal, funcionará a nova política industrial brasileira? Talvez em alguma medida, porém dificilmente ela terá os esperados e anunciados efeitos sistêmicos caso o quadro macroeconômico vigente seja mantido. O pacote de medidas do Plano Brasil Maior pode ao final se mostrar tímido e aquém dos desafios enfrentados pela indústria instalada no país.

Esse debate está apenas no começo. O Brasil está de fato no caminho certo? Segundo Keynes (1938), a economia "é uma ciência de pensar em termos de modelos aliada à arte de escolher modelos que sejam pertinentes ao mundo contemporâneo". Pouco antes de falecer, Keynes fez um brinde aos economistas - "guardiões, não da civilização, mas das possibilidades da civilização". As possibilidades brasileiras precisam ser objeto de melhor avaliação técnica e debate político.

Rodrigo L. Medeiros integra a World Economics Association e é sócio da Associação Keynesiana Brasileira. medrodrigo@gmail.com

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