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Jose porfiro · @JPorfiro

19th Nov 2010 from Twitlonger

O Japão poderá reverter seu longo declínio?

Wieland Wagner

19/11/2010 - DER SPIEGEL in UOL Internacional
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/derspiegel/2010/11/19/o-japao-podera-reverter-seu-longo-declinio.jhtm


Brasileiros fazem protesto que reuniu cerca de 400 pessoas contra demissões em massa devido à crise em Tóquio (Japão)


Nos idos dos anos 80, o Japão era uma potência econômica e motivo de inveja do mundo. Hoje, contudo, parece não haver fim à vista para seu declínio, com perda de empregos, corte em pensões e empresas se mudando para outros países. A coesão social tão exaltada do país também está se desintegrando, enquanto as pessoas se veem forçadas a depender de seus próprios recursos.

O homem que constava como o cidadão mais velho dos registros da cidade de Tóquio estava morto em sua cama há anos. O corpo de Sogen Kato, que supostamente teria 111 anos, estava mumificado. Sua filha de 81 anos e sua neta disseram às autoridades que ele tinha entrado no quarto após uma discussão com a família e nunca mais tinha saído. Isso foi há décadas. Desde então, a família Kato vinha sacando a pensão do idoso e um prêmio do governo para centenários.

Em outro distrito de Tóquio, as autoridades encontraram o esqueleto de uma mulher que acreditavam ter 104 anos, na mochila do filho de 64 anos. Este disse que, quando a mãe morreu em 2001, ele lavou seu corpo, cortou-o em pedaços e guardou-o na mochila, pois não podia pagar pelo funeral.

As descobertas macabras em Tóquio não foram dos únicos idosos que as autoridades japonesas vêm listando incorretamente como cidadãos vivos. Após conduzir uma análise apressada no país inteiro, o governo descobriu que mais de 234.000 pessoas que teriam mais de 100 anos de fato estavam desaparecidas e presumivelmente mortas há anos.

Perda das virtudes tradicionais

O que mais chocou o país nessas descobertas não foi a má atualização dos registros, mas o desaparecimento das virtudes tradicionais do Japão, e o fato de uma sociedade que foi considerada tão harmoniosa, com sua suposta solidariedade entre gerações, tinha entrado em tamanho declínio. O Japão, que foi a maior economia da Ásia, está vivendo os espasmos de uma crise longa há quase duas décadas. O empobrecimento crescente é apenas um dos sintomas.

O país se acostumou com um fluxo contínuo de más notícias. Em agosto, a China substituiu o Japão como a segunda maior nação industrializada do mundo. O índice Nikkei, da bolsa de valores de Tóquio, está a um quarto de seu pico histórico no boom de 1989. Só neste ano, o índice caiu cerca de 15%. Os imóveis japoneses também estão valendo apenas um quarto de seu valor de 1974.

Os políticos japoneses estavam determinados que seu país de alta tecnologia ao menos servisse de exemplo nas questões de uma sociedade que envelhece, usando robôs, por exemplo, para cuidar dos mais velhos. Mas até esse esforço fracassou. “Se as coisas continuarem assim, Nippon vai afundar”, advertiu Shintaro Ishibara, governador de Tóquio, de 78 anos, usando o nome japonês do país.

Os japoneses já foram obcecados com seu objetivo de superar o Ocidente. Agora, tiveram sucesso –mas não da forma que imaginavam. Hoje, países industrializados como a Alemanha podem olhar para o exemplo da economia japonesa, com seu colapso em 1991 e subsequente declínio, como arauto das dificuldades que também podem enfrentar.

Fim do crescimento

O declínio do Japão começou em meados dos anos 80. A economia estava superaquecida. Em resposta à pressão dos EUA, Tóquio foi forçada a valorizar substancialmente o iene, tornando suas exportações mais caras. Para compensar as perdas, o governo japonês bombeou quantidades enormes de dinheiro na economia, e o banco central reduziu drasticamente a taxa de juros. Com dinheiro barato, os japoneses começaram a especular com ações e imóveis. Na época, o palácio do imperador no centro de Tóquio supostamente valia tanto quanto toda a Califórnia. E como os lucros terrestres deixaram de ser suficientes para os incorporadores japoneses, eles seriamente começaram a planejar cidades no mar e na Lua.

Mas então o Banco do Japão começou a ficar incomodado com o crescimento exagerado e aumentou as taxas de juros. Isso levou a uma enorme queda da bolsa de valores, seguida de um forte declínio no mercado imobiliário. Depois disso, o Japão ficou lançando novos programas de estímulos econômicos para tentar salvar o que restava. No processo, acumulou mais dívidas em relação à produção econômica do que qualquer outra nação industrializada.

Os programas de estímulo não ajudaram muito. Está certo que o Japão não é a Grécia, que lucrou às custas de seus vizinhos europeus. Em vez disso, o governo japonês pegou emprestado de seus próprios cidadãos poupadores. Os japoneses agora estão fazendo o seu melhor para não perder a elegância. O Japão passa por um declínio digno, mas no processo está correndo o perigo de acabar com suas reservas.

“Hoje as pessoas só pensam em dinheiro”

Há 10 anos que Akira Nemoto, 59, dirige o departamento responsável por cuidar dos idosos no distrito de Adachi em Tóquio –onde os restos mumificados de Sogen Kato foram encontrados. Sua equipe atualmente está esquadrinhando o distrito de bicicleta em busca de outras pessoas esquecidas. Nemoto aponta para uma selva de casas de madeira e prédios. “Ninguém aqui mais conhece seus vizinhos”, diz ele. Neste bairro, o único contato dos moradores com a tentativa de recuperação da indústria de exportação do Japão neste ano, movida pela demanda da China, vem pelo noticiário noturno.

Primeiro, os pequenos produtores de Adachi faliram, ou migraram para a China com empresas maiores. Depois, as lojas fecharam e, por fim, sumiram os últimos pontos do bairro onde os moradores podiam se reunir.

Os japoneses estão se retirando cada vez mais para a esfera privada, desde os idosos até seus filhos desempregados, que estão vivendo das pensões e economias dos pais. Muitos dos idosos estão sendo explorados pelos filhos, diz Nemoto.

“As pessoas hoje só pensam em dinheiro”

Para muitas famílias, a geração mais velha e econômica do Japão representa a última esperança financeira, e substituiu o Estado em muitos casos. O outro núcleo da sociedade japonesa, a empresa, atualmente presta muito pouca atenção a seus funcionários.

Roubado após uma vida de trabalho duro

A Japan Airlines pediu falência no início do ano e agora está sendo reestruturada com a assistência do governo. A companhia, que já teve ambições nacionais grandiosas, está sendo forçada a cortar cerca de 16.000 empregos. Seus funcionários da ativa e aposentados não tiveram escolha senão concordar com uma redução em suas pensões.

Problemas similares estão emergindo em cada vez mais indústrias. Seiji Suguro, 69, é um dos que se sente enganado após uma vida de trabalho duro. O aposentado passa o tempo em um centro esportivo em Tóquio, onde lê o jornal de graça e pode ficar sem ter que pedir chá. Para Suguro, gastar pouco é uma questão de sobrevivência.

Suguro começou a trabalhar em um banco grande quando tinha 18 anos. A empresa serviu como sua pseudo-família e ele confiou-lhe o planejamento de sua vida. Ele aceitou que retirassem uma grande parte do seu salário de férias. Em troca, ele achava que seu emprego estava seguro, que seria consistentemente promovido e receberia a prometida pensão da empresa.

Pequenos agrados

Desde 2003, contudo, Suguro vem recebendo 300.000 ienes (em torno de R$ 7.000) a menos por ano da pensão prometida pela empresa. “Era o dinheiro que eu pensava que ia poder usar para pequenos agrados, como a viagem aos Alpes que sempre sonhei”, diz Suguro. Sua atual pensão, contudo, não é mais suficiente para pagar esses extras. Neste ano, a mais alta instância da justiça do país rejeitou uma ação que Suguro e seus colegas fizeram contra a empresa.

Não está claro contra quem Suguro deve dirigir sua ira. Aos políticos? O Japão teve 14 primeiros-ministros desde o estouro da bolha. O atual primeiro-ministro, Naoto Kan, 64, está no cargo há apenas cinco meses e até agora não inspirou esperanças que possa salvar o país. Apesar de seu Partido Democrático do Japão, que tirou do poder o Partido Democrático Liberal há um ano, deter a maioria na câmara baixa do Parlamento, a oposição pode bloquear decisões na câmara alta.

Tóquio está politicamente paralisada, e não há um debate público sobre os principais problemas do país. Um sentimento de resignação silenciosa domina o Japão, mesmo no distrito governamental de Tóquio, onde os servidores públicos estão ansiosos com seu futuro.

“Não tem solução”

Yoshihiro Yanagisawa, 62, trabalhou como especialista financeiro no Ministério da Agricultura, Floresta e Pesca até sua aposentadoria, na primavera de 2008. Agora, Yanagisawa, um homem magro, com óculos sem aro, levanta sacas de 30 kg de arroz em um moinho, de 8h30 às 17h, cinco dias por semana. Ele ganha 900 ienes (em torno de R$ 20) por hora.

Yanagisawa tem direito a 10 dias de férias pagas por ano, mas ele não os tira por medo de perder o emprego. Ele não pode parar de trabalhar, porque só receberá sua aposentadoria plena depois dos 65 anos.

De uma perspectiva alemã, isso parece normal. Mas Yanagisawa teve que aceitar a mudança da idade para aposentadoria no Japão subir de 60 para 65 anos. Ele perdeu o emprego no ministério dois anos atrás, em meio a cortes do governo. Ele procurou emprego em mais de 20 empresas antes de encontrar seu atual trabalho de quebrar as costas por meio de uma agência de empregos temporários. “Shikata ga nai”, diz ele. “Não tem solução”.

Cometer suicídio educadamente

Os japoneses estão sofrendo suas perdas em silêncio. Esse estoicismo faz parte da cultura japonesa, que desde cedo dá as crianças um sentido de vergonha pronunciado. Em vez de buscar solidariedade da sociedade, os japoneses tentam cuidar das coisas sozinhos.

Mesmo os sem teto nos parques de Tóquio colocam seus sapatos arrumados na frente de seus abrigos de papelão. As pessoas cometendo suicídio se curvam educadamente antes de se jogarem na frente dos trens. Em Tóquio, uma linha de trem instalou lâmpadas azuis especiais ao longo dos trilhos para acalmar suicidas em potencial. Dos mais de 30.000 japoneses que cometem suicídio por ano, muitos são vítimas do declínio econômico.

Temores sobre o futuro vêm derrubando o consumo na nação insular. Os produtos “Gekiyasu” (super baratos) estão em voga, levando os preços para baixo e colocando pressão sobre os lucros corporativos. Em alguns casos, a espiral para baixo continua até a empresa falir.

Saindo do ramo

Os produtores mais famosos do Japão ainda existem. A cidade da Toyota fica a cerca de três horas de trem a oeste de Tóquio. A cidade, que costumava se chamar Koromo, se conformou completamente às necessidades de seu maior empregador.

Uma grande parte dos mais de 400.000 habitantes de Toyota depende unicamente da indústria automobilística. Os sinais externos da crise não são imediatamente aparentes. Ainda assim, muitos fornecedores nas cercanias estão falindo. Muitos foram forçados a reduzir custos e preços por tanto tempo que deixaram de ser lucrativos.

Quando o “choque da Toyota” atingiu o Japão, há mais de dois anos, porque europeus e americanos subitamente passaram a comprar menos carros japoneses, a empresa demitiu milhares de trabalhadores temporários. Junto com seus empregos, os trabalhadores muitas vezes perderam o direito a morar nos apartamentos da empresa e voltaram para suas cidades de origem, onde não tinham mais onde morar.

Takanori Shimokawa, 38, trabalhava em uma agência de emprego temporário, organizando a contratação de trabalhadores de baixa renda. Eles vinham de empresas que já tinham sido vitimadas pela crise e assumiam uma vaga na Toyota, gigante que ainda crescia e ao menos contratava trabalhadores temporários.

Shimokawa trabalhava sem parar. Constantemente pediam a ele para fornecer novos trabalhadores, porque muitos não tinham a rapidez necessária na linha de montagem. “Os trabalhadores temporários ficavam ressentidos comigo, porque achavam que eu era um capataz do patrão”, diz Shimokawa, “e os patrões me tratavam como seu menino de entregas”. Logo, até Shimokawa perdeu seu emprego. A empresa ainda deve a ele 6 milhões de ienes pelas horas extras.

Uma cidade que depende dos carros

Mas apesar da crise e do recall mundial de carros defeituosos neste ano, a cidade da Toyota não se tornou uma Detroit japonesa, em grande parte graças ao prefeito, Kohei Suzuki, 71.

Suzuki recebe os visitantes em seu escritório, que é do tamanho de um salão de carros –um resquício de tempos melhores. O quadro atrás da escrivaninha mostra um sol tão vermelho que poderia estar afundando abaixo do horizonte.

Suzuki também está cada vez mais afetado pelo clima apocalíptico. Os números que ele cita são sombrios. Sua receita de impostos corporativos caiu de forma drástica no ano passado. Esse é o tipo de coisa que acontece quando toda uma cidade depende de uma única companhia, acrescenta. “Fiquei chocado”, disse o prefeito.

As obras de expansão da prefeitura foram temporariamente suspensas e apenas recomeçadas para não causar mais falências entre os construtores locais. A aquisição de novos quadros para o museu de arte da cidade foi adiada. Suzuki pelo menos não teve que cortar os gastos sociais, graças a uma reserva de bilhões de ienes que estabeleceu em tempos melhores.

Perguntado sobre o futuro, ficou pensativo, brincando com um modelo de carro híbrido da Toyota. A versão japonesa do programa alemão de “dinheiro pela lata velha”, com o qual Tóquio tentou apoiar a indústria automobilística, expirou recentemente, e as vendas mergulharam. Ao mesmo tempo, o valor do iene subiu, em grande parte pelo enfraquecimento do dólar, tornando as exportações mais caras. O Japão está se tornando um lugar cada vez menos atraente para a Toyota produzir seus carros e caminhões.

O que ele vai fazer se a Toyota decidir produzir todos os seus carros no exterior? “Impensável”, diz Suzuki. “Nossa cidade não pode sobreviver sem os carros!”

Tradução: Traduzido do alemão por Christopher Sultan e do inglês por Deborah Weinberg

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