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Jose porfiro · @JPorfiro

22nd Nov 2010 from Twitlonger

Uma nova república de bananas?

Muitos nos EUA defendem a isenção de impostos aos mais ricos e são contra prorrogar os benefícios que, na prática, geram emprego

21 de novembro de 2010 | 0h 00

NICHOLAS D. KRISTOF - O Estado de S.Paulo

No início deste mês, ofendi alguns leitores com uma coluna sugerindo que quem quiser ver uma desigualdade de renda abusiva não precisa mais visitar uma república de banana. Basta olhar ao redor.


Minha consideração era que os plutocratas mais ricos realmente controlam agora uma fatia maior do bolo nos Estados Unidos do que em países historicamente instáveis como Nicarágua, Venezuela e Guiana.

Mas alguns leitores protestaram que isso era superficial e injusto e, após reavaliar as evidências, tenho de confessar que eles tinham alguma razão. Está certo: eu posso ter ofendido as repúblicas de banana.

Percebem, alguns latino-americanos ficaram indignados com o que viram como uma comparação ofensiva e prejudicial.

A verdade é que a América Latina amadureceu e se tornou mais igual nas últimas décadas, enquanto a distribuição de renda nos Estados Unidos se tornou sistematicamente mais desigual.

O melhor conjunto de dados que consegui encontrar é para a Argentina. Nos anos 40, o 1% mais rico do país controlava mais de 20% da renda.

Isso era aproximadamente o dobro da proporção nos Estados Unidos naquela época.

De lá para cá, as posições se inverteram. A proporção controlada pelo 1% mais rico na Argentina caiu para pouco mais de 15%. Enquanto isso, a desigualdade nos Estados Unidos subiu para níveis comparáveis aos da Argentina seis décadas atrás - com 1% controlando 24% da renda americana em 2007.

Dúvida. Numa época de uma desigualdade tão espantosa, será que o Congresso americano deveria colocar como prioridade gastar US$ 700 bilhões para prorrogar os cortes de impostos propostos pelo governo de George W. Bush às pessoas com renda anual acima de US$ 250 mil por ano? Ou deveria prorrogar o seguro-desemprego para americanos que sem isso perderão o benefício já a partir do próximo mês?

Uma maneira de examinar essa decisão é deixar de lado todas as considerações éticas e simplesmente olhar onde os dólares dos impostos serão mais úteis para estimular a recuperação da economia.

Aí a conclusão é clara: consegue-se muito mais retorno para o dinheiro colocando-o nas mãos das pessoas desempregadas porque elas o gastarão prontamente.

Os cortes de impostos para os ricos, ao contrário, são parcialmente poupados - essa é tanto a teoria econômica básica como a história recente - de modo que eles são muito menos eficazes na criação de empregos.

Por exemplo, os republicanos dariam ao 0,1% mais rico um corte de imposto médio de US$ 370 mil. Alguém realmente acha que esses contribuintes vão sair correndo para comprar Porsches e iates, começar novas empresas, e contratar mais jardineiros e motoristas?

Ao contrário, um estudo encomendado pelo Departamento do Trabalho durante o governo de George W. Bush deixa claro o poder que o dinheiro do seguro-desemprego tem de gerar emprego porque esse dinheiro nas mãos dos americanos sem trabalho é gasto imediatamente.

O estudo sugeriu ainda que a recessão corrente nos Estados Unidos teria sido 18% pior sem o seguro-desemprego e que esse gasto preservou 1,6 milhão de empregos em cada trimestre.

Mas há uma questão maior também: que tipo de país nós aspiramos ser? Nós realmente desejaríamos o tipo de plutocracia em que o 1% mais rico possui mais riqueza líquida que os 90% da base?

Epa! Isso nós já somos.

O 1% mais rico dos americanos possui 34% da riqueza líquida privada dos Estados Unidos, segundo cifras compiladas pelo Economic Policy Institute em Washington. Os 90% da camada inferior possuem apenas 29%.

Isso significa também que os 10% do topo controlam mais de 70% da riqueza líquida total dos americanos.

Emmanuel Saez, um economista da Universidade da Califórnia em Berkeley, que é um dos maiores especialistas mundiais em desigualdade, observa que, durante a maior parte da história americana, a distribuição de renda foi significativamente mais igual do que hoje. E outros países capitalistas não sofrem disparidades tão grandes como as nossas.

"Houve um aumento da desigualdade na maioria dos países industrializados, mas não tão extrema como nos Estados Unidos", disse Saez.

Mobilidade. Uma das principais características dos Estados Unidos tem sido sua mobilidade econômica em contraste com o sistema de classes da Europa. Essa mobilidade pode explicar por que muitos americanos da classe trabalhadora se opõem a impostos sobre a transmissão de herança e alíquotas ficais marginais altas. Mas os pesquisadores descobriram que hoje essa mobilidade social da miséria à riqueza não é mais comum nos Estados Unidos do que na Europa - e, possivelmente, é menos comum.

Estou estarrecido com nossa crescente diferença de riqueza porque em minhas viagens vejo o que acontece em países disfuncionais onde os ricos simplesmente não ligam para os que estão no porão. O resultado são países sem um tecido social ou um sentimento de unidade nacional.

Concentrações imensas de riqueza corroem a alma de qualquer nação.

E aí eu vejo membros do Congresso de meu próprio país defendendo que seria financeiramente imprudente prorrogar o seguro-desemprego durante uma recessão terrível, mas insistem em conceder isenções fiscais de US$ 370 mil aos americanos mais ricos. Não sei se isso nos transforma numa república de banana ou numa república de fundo hedge, mas isso não é saudável em nenhum tipo de república. / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK

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